PSICOSE, de Robert Bloch

Há, nos U.S.A, 

… Norman Bates com seu coração irado e cercado por animais empalhados;
… Mary Crane cruzando o estado em fuga, levando 40 mil dólares que não são seus;
… A mãe de Norman que o vigia e percebe o cheiro de sua respiração mudando o compasso.

E o dia em que uma faca e um chuveiro se uniram para verter sangue… Criando “a cena do chuveiro” mais clássica do Cinema!

“Norman Bates ouviu o som e estremeceu”. 
Assim o autor norte-americano Robert Bloch inicia um de seus títulos mais conhecido. Ironia ou não, o romance Psicose (1959) acabou por ser “engolido” pelo sucesso da versão cinematográfica, Psycho (1960), dirigida por Alfred Hitchcock. O que se sabe sobre a obra, pela perspectiva do diretor, é que essa virou sua obsessão. Hitchcock empenhou literalmente seus bens, em contrapartida à análise técnica nada favorável realizada na época pelos estúdios, com o objetivo de ver Norman Bates respirar fora das páginas. Sua fixação com o enredo foi tanta a ponto de “comprar 3 mil exemplares da obra disponíveis nas livrarias e os trancafiar num galpão a cinco quadras de casa.” O intuito do diretor: evitar que o público conhecesse o final da obra escrita por Bloch. Ele queria que o mundo a conhecesse primeiro por seus olhos em um filme. O SEU filme! Provavelmente podemos também aplicar a isso a associação que poucos fazem à versão original do texto (muitos nem sabem que ela existe e, quando veem alguém com o livro, pensam ser este uma extensão secundária do filme de 60). 
Norman Bates é uma mente peculiar. Diretor do Bates Motel, passa seus dias lendo sobre o balcão, isso quando não está voltado ao seu principal hobbie, a taxidermia. Norman direciona sua pacata vida ao crescimento intelectual como fator de grande importância. Logo ao início do romance o conhecemos enquanto lê O Reino dos Incas, de Victor W. Von Hagen. Pela citação que segue esta menção no livro, podemos conhecer muito sobre a personagem – conhecimento que só se aprofundará no decorrer da narrativa. Mas, logo, Norman tem sua leitura interrompida com a chegada de Mary Crane. Após 18 horas dirigindo, ela erra o caminho que a levaria à cidade próxima, Fairvale, por uma curva feita com a construção da nova rodovia, terminando por estacionar diante do Hotel Bates. No livro de registros ela assina como Jane Wilson, ocultando sua presença ali: Mary está em fuga após roubar 40 mil dólares de seu patrão. Ela sonha com um futuro “junto” e perfeito ao lado de seu noivo Sam Loomis, que mora em Fairvale e que desconhece a “ação” desempenhada por sua futura esposa. 
Ao lado do hotel, em uma construção de dois andares, velha e devorada lentamente pelo tempo, a morada da família Bates se ergue. Sabemos por Norman, que sua mãe, Norma, está ali, no andar de cima, “na verdade, ela não está doente, ao menos fisicamente. Mas às vezes tem uns acessos.” (p. 47). Através do filho a conhecemos. Seu tom de desdém e desafio constante na voz; o domínio irrefreável sobre o filho, que em muitos momentos demonstra uma devoção doentia por ela; bem como seu deboche sobre qualquer tentativa que Norman tenha em conquistar um futuro além daquelas paredes e móveis que estagnaram como os ponteiros de um relógio sem pilhas. 

“Mudar, garoto? Nada vai mudar. Pode ler todos os livros do mundo, que será sempre o mesmo. Não preciso dar ouvidos a essa conversa obscena para saber quem é você. Até uma criança de oito anos saberia! E eles sabiam, todos os seus amiguinhos, na época. Você é um ‘filhinho de mamãe’. Era assim que lhe chamavam, é isso o que você era. Era, é e sempre será. Um grande, gordo e marmanjo ‘filhinho da mamãe’!” p. 21

Inspirado no caso de Edward Theodore Gein, que o próprio autor cita em Psicose, famoso psicopata que causou terror na década de 50, Bloch realocou a tensão da época aos comportamentos de suas personagens – os elementos de psicopatia latentes, a princípios sutis, à medida que a narrativa corre, assemelham-se a uma pilha de peças de cristal: onde, movida a primeira, só nos restas o choque enquanto estas despencam em um estardalhaço monstruoso. 
Um leitor mais ávido, mesmo não tendo assistido à versão de Hitchcock, conseguiria recolher as peças do que move o romance, entendendo seu brilhantismo e o que chamou tanto a atenção do “mestre do suspense”. A verdade estava o tempo todo ali! Gritando que a víssemos se derramar e se espalhar pelo chão como marcas de um crime. As diversas relações feitas por Norman à psicologia, bem como a “pista-chefe” ao mencionar os fantasmas de Hamlet, de Shakespeare (p.131), precisavam apenas ser montadas por nós. Nesses momentos busquei as sensações de um leitor leigo, que não conhecesse nem a obra, nem o filme. Queria saber se, assim, estes trechos resultariam na mesma atenção e importância. 
Engraçado que, diante desta minha onda de leituras de Stephen King, consigo vê-lo em tudo. Verdade que King se declara e aclama a importância dos escritos de Bloch à literatura norte-americana, e consequentemente à sua própria maneira de escrever, porém senti ali em diversas passagens a presença de Margaret White, mãe de Carrie, a estranha (1974), obra de King (que resenhamos aqui!). Norma, pela perspectiva de Norman, funciona como domo de proteção sobre os agravantes externos que pudesse, de certa forma, deturpar a conduta do “filhinho da mamãe”. Comportamento semelhante ao da senhora White para com a filha.

“Com certeza a situação não era das mais saudáveis. Ser o filhinho da Mãe tinha seus inconvenientes.” Psicose. p. 129

Um choque não época da publicação, tanto pela ousadia na forma de desenvolver o enredo, quanto pelo modo com o autor apresenta o desfecho à trama, Psicose apresenta uma narrativa rápida e direta. Comparando-o aos estilos de elaboração de romances do gênero da atualidade, vemos que esse não se mostra tão mirabolante. Contudo, creio ser justamente esta simplicidade em contar que o torna tão interessante. Todo o arco que omite a verdade de Psicose se revela brilhante quando recordamos o que lemos no início e como este foi construído. Creio ser justa a afirmação feita por uma das personagens em um dos capítulos finais:
“Nós não somos tão lúcidos como fingimos ser.” 
p. 231

Ao final, nos percebemos que fomos enganados por Bloch, porém, se pensarmos mais a fundo, veremos que nós mesmos que gostamos de nos enganar. 
Sobre o mundo… 
Sobre os outros… 
Sobre nós! 
Bloch apenas brincou com esta constante mania que temos de camuflar a verdade… e continuar vivendo como se a vida fosse um verão eterno. 

Luvanor N. Alves
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5 comentários:

  1. Gostei muita das suas impressões sobre a obra,falo como alguém que nunca a leu, nunca assistiu ao filme de Hitchcock, e nem mesmo assiste à série Bates Motel. Gosto muito do gênero, mas nunca tive a oportunidade.

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  2. Adorei, cara!!!
    Não imaginava que havia essas semelhanças com o King.
    Sobre os filmes, assisti os 4 e amei. Sei que o livro se refere ao primeiro da série. Não existe livros sobre as continuações.
    É impressionante sua forma de narrar. Notei que alguma coisa mudou em seu estilo, quando comparado as primeiras resenhas.
    Abraços!

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  3. Lorena, vale muito a pena!!! Tanto a leitura quanto o filme! E a série está brilhante também! Sou meio suspeito em falar sobre o brilhantismo de Hitchcock!!!

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  4. Ei, Fernando!! E essa mudança foi para melhor????

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