Há, na Filadélfia, nos E.U.A,
Um pianista que não quer encrencas;
um irmão em busca de ajuda;
uma garçonete que mente como ninguém;
E dois pistoleiros armados até os dentes em busca de um acerto de contas!
Ora,
existem obras que se eternizam. Que mancham o chão da vida com uma tinta forte
e escura impossível de ser removida com água, sabão e vontade. Elas
simplesmente não se apagam. E a verdade sobre isso não se encontra no número
de pessoas das quais ela toca, ou não fama que ganha sob a língua de críticos e a luz
e holofotes. Existem obras que simplesmente não morrem.
A
verdade é que, encontrar um livro assim é a coisa mais difícil do mundo, pois
existe muita coisa escrita sobre muito papel sem fim. Infindáveis textos que tentam
ao máximo serem bons. A maioria só tenta… Um livro é bom, e demora-se muito para
que você crie olhos, coração e um pouco de malícia para perceber isso, quando não depende dos seus gostos ou da sua opinião para ser bom. Você sente que
ele simplesmente é!
1
– É bem escrito!
2
– A trama e as motivações do enredo são bem trabalhadas...
3
– As personagens respiram ouro de Midas em cada palavra…
4
– E as reviravoltas são de uma verossimilhança impressionante!
Um
livro bom precisa de tudo isso!
Em
Atire no Pianista (1956), David Goodis narra o que viria a ser sua mais famosa
obra!
Nela,
esta nevando na Filadélfia. Para se aquecer, todos se acotovelam e danças e
gritam e bebem e deixam o tempo passar e os corpos se aquecerem em um bar de
última categoria. Em meio a eles, o pianista, Eddie, enquanto trabalha, recebe a visita surpresa do irmão, Turley. Este,
perseguido por pistoleiros, pede ajuda ao irmão para que o esconda. Eddie,
no entanto, não quer se envolver com os problemas do irmão, pois imagina que
não há como sair deste tipo de rolo quando se está dentro dele. Entretanto,
acaba por se envolver, salvando o irmão e passando a ser o novo alvo dos
pistoleiros. Enquanto isso, a neve continua a cair…
Eddie
vê, então, sua vida, ou que pensava antes ser uma vida, ganhar nova perspectiva
diante das circunstâncias. Acompanhado da garçonete do bar, Lena, que irrevogavelmente também se envolve na trava, ele percebe que não adianta de nada ser bom. Que, no fim do dia,
quando só resta apenas um último poste aceso no meio da escuridão, tudo acaba
sendo “uma verdadeira droga”. É quando entende que não existe conceito de
mocinho que dure muito tempo quando se sente o metal quente do cano de uma arma recém-disparada
ser pressionado contra sua nuca.
“
‘E daí?’, perguntou-se, voltando ao presente, aos fatos reais. ‘Tiraram-lhe o
piano e lhe deram um revólver. Você queria dedicar-se à música, mas, devido ao
rumo que as coisas tomaram, esse é um assunto encerrado. Daqui por diante só
existe isso: o revólver’.”
Em
momento algum, no entanto, senti em Eddie qualquer traço de pessimismo. Todo o
seu discurso é construído em uma base sólida de conformismo diante dos
problemas da vida. Na verdade, mais parece, para ele, que o normal da vida é essa vir cheia de erros. Os momentos bons, os felizes, são apenas uma programação errada
sobre a linha de trem por onde andamos. Momentos bons que, em breve, serão
esmagados pela locomotiva que se aproxima traiçoeira. Eddie é um cara simples,
humilde, mas você sente que algo se esconde em seu peito. Pensei muito se seria
raiva, amargura talvez... A cena final, porém, respondeu minha dúvida sobre esta questão…
Parece-nos
que, ao longo do romance, seu papel seja nos mostrar a desconstrução do que
erroneamente acabamos por esperar dele: que, no final, ele será o herói surgindo
entre os escombros.
Naquele
momento todas as conexões se partiram, todas as questões foram apagadas. Não
havia mais veneno, frenesi, qualquer traço do homem selvagem em seus olhos. O
homem selvagem tinha desaparecido, aniquilado por duas pessoas rudes que não
sabiam que ainda tinham esse poder: a mãe de olhos sem expressão, indiferente,
e o pai beberrão e de sorriso bondoso.
Sem
som, você disse a eles: muito obrigado, meus caros. (p. 121)
O
romance não envelheceu um instante sequer!
David
Goodis dominava o ofício da escrita como poucos. A cada virar de página, o
leitor vai se envolvendo entre a trama, entre as personagens, querendo saber
cada vez mais. Existe um controle grandioso sobre o enredo como há muito tempo
não via em uma escrita. Você tem a sensação de que o autor sabia ali exatamente
para onde caminharia sua trama. Quase é possível sentir a firmeza do punho
pesado de Goodis enquanto escrevia cada diálogo.
Ahn,
os diálogos!…
Graças,
também, ao seu conhecimento na escrita de roteiros, Goodis sabia exatamente
qual frase escrever em determinada passagem. Os diálogos são de uma verdade
incrível. São tão poderosos e verossímeis que você quase consegue OUVIR as
personagens sussurrarem eu seu ouvido.
Cada
inflexão…
Cada
tom…
Cada
SOM!…
Você
consegue ouvir as contenções na fala de Eddie…
A inquietação e, muitas vezes, o
deboche no discurso do irmão Turley…
A ousadia na voz da garçonete Lena...
Ou, até mesmo, a gravidade e confusão na voz
de ambos os pistoleiros!
Além
de diálogos perfeitos e verdadeiros com a narrativa, a trama não chega nem
perto de ser complexa. Pelo contrário. Todo o enredo e a tomada narrativa são
de uma simplicidade impar, o que torna o livro mais delicioso de ser lido. Quando menos se espera, já se encontra na
página 70 em menos de 20 min. de leitura.
Atire no Pianista
se tornou um dos meus livros favoritos! A escrita de Goodis é imensamente
fluida e o desenrolar da narrativa muito interessante, pois entra no quesito de
você não conseguir deduzir por qual caminho o narrador irá guiar suas crias. As
personagens ganham traços particulares deliciosos de se ler, se conhecer.
Em
1960, o livro, que tem por título original Dow
Here, recebeu uma versão cinematográfica dirigida pelo grande Fraçois
Truffaut sob o título Tirez sur le
pianiste (Atire no pianista, daí
surgiu o nome para a versão traduzida do romance). Dizem que esse não é um dos
melhores trabalhos de Truffaut, mas sempre é válido ver personagens ganhando
vida por outros olhos.
Ao
final, quando a última página é cruzada, sentimos todas as certezas de Eddie se
confirmando. Que Goodis, por ser um mestre da Literatura Noir, retrata a vida
das classes baixas e dos proletariados porque é daí que vem a verdade da vida.
Que
a vida é difícil…
Que
“somente um dia após o outro é igual ao anterior”…
E
que, entre goles de cerveja barata, ....
....pistolas carregadas...
...e o concreto frio dos
prédios,
não pode existir finais felizes…
Por
Luvanor N. Alves
Nooosssaaa!!! Ficou linda demais essa produção, como é bom encher os olhos pelos seus olhos. Pretendo ler o mesmo com urgência. ^^ Parabéns pelo trabalho lindo no ME. <3
ResponderExcluirEu que agradeço por você ter me dado este livro de presente!!! Realmente você sabe E.X.A.T.A.M.E.N.T.E o tipo de leitura que me agrada!!!!
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