Há,
em Barcelona, na Espanha
Um
garoto e um Cemitério de Livros;
Um
livro Maldito e um autor esquecido;
Um
Assassino vingativo e um segredo de dor;
E
a Morte espreitando sob A Sombra do Vento
faz...
Penso
na Literatura como uma das telas mais difíceis de pintar. Há uma diversidade de
cores, texturas, tons, palavras, imagem, ideias que, selecionadas bem,
tornam-se um triunfo da arte em se contar uma boa história. Em si, a prosa trás
muito da poética; muito desse envolver e conduzir o leitor para que este se
submeta a aceitar o que se diz.
Uma
história bem escrita é como a sensualidade de um Tango puramente Argentino
dançado entre as personagens e o leitor. Você sente o contado do olhar envolvendo-o;
o compassar da melodia intensa enquanto cruza páginas migrando para o fim;
sente o tamborilar do peito quando uma de sua personagem favorita lhe enlaça
pela cintura e te puxa para mais perto.
A
prosa de um bom texto deixa seus dedos tremendo, inquietos, incrédulos com o
que se estampa ali sem censura, sem ninguém que diga que, tais palavras
intensas, unidas, não poderiam jamais existir.
Raros
foram os livros que, à medida que eu mergulhava na leitura, quase conseguem
levar minha alma. Cem Anos de Solidão
(1967), do colombiano Gabriel Garcia Márquez, por pouco não me deixa sem ar. E,
por isso, me apaixonei! Você encontra seu autor favorito e se entrega ao que
ele diz como verdades absolutas quando ele consegue introduzir a mão em punho
em seu peito e mover o curso do seu sangue, acelerando o pulsar do coração,
como um Moisés resoluto abrindo diversas vezes o Mar vermelho que circunda
dentro de ti.
A
Literatura latino-americana causa esse efeito em mim. É uma escrita carregada
de dureza, poder, segurança. São autores que não buscam apenas contar uma
história vivida épocas atrás por seu povo. Cada um dos grandes autores
latino-americanos dos últimos séculos querem tocar sua alma como somente os
grandes amores conseguem marcar.
Tendo
essa verdade em mim, conheci o espanhol Carlos Ruiz Zafón e me apaixonei também
por seus segredos.
Em
A Sombra do Vento (2001), estamos em
uma madrugada cinzenta da Barcelona de 1945. Em uma rua deserta, ouve-se apenas
o som de passos. Entre a névoa que antecede o nascer do dia, avistamos um homem
levando um garotinho de 11 anos pela mão. Daniel
Sempere é levado por seu pai a um misterioso lugar no centro da cidade: O Cemitério dos Livros Esquecidos. Lá,
entre as infindáveis fileiras e corredores de estantes, o menino encontra o
livro A Sombra do Vento. Levando-o
para casa, o garoto o lê inteiro naquela mesma noite. No dia seguinte, descobri
que todos os livros do mesmo autor, Julián
Carax, estão sendo queimados e destruídos por alguém que também está
eliminando os seus proprietários.
Daniel
entende então que aquele é um livro maldito e mal sabe que este mudará o rumo
de sua vida e o arrastará para um labirinto de aventuras repletas de segredos e
intrigas entre as paredes comidas pelo Tempo e enterrados na alma daquela
cidade devastada. Com o passar dos anos, a busca por pistas sobre o
desaparecimento do autor do livro, transformará Daniel em um homem marcado para
a morte.
O
livro é uma mescla perfeita entre romance, aventura e suspense, tudo entranhado
entre muito amor e bastante ódio.
O
narrador nos conta duas histórias. Uma no passado, a do autor Julián Carax e os
segredos dolorosos por trás de seu desaparecimento; e outra no presente, a de
Daniel em fuga quando percebe que, tanto ele, quanto o último exemplar do livro,
correm perigo de deixarem de existir. Até que, finalmente, as duas histórias se
encontram, havendo uma explosão na narrativa que não lhe deixa largar o
romance. Quando as verdades de Carax surgem sobre Daniel, mais parece uma
colisão entre trens equidistantes: repleto de sangue derramado e metal
retorcido.
Entre
as personagens apaixonantes, e todo fã de Zafón dirá o mesmo, destaco a figura
do melhor amigo de Daniel: Fermin Romero de Torres. Ele é brilhante!
Simplesmente isso! Brilhante em seus comentários cômicos! Engraçado! Piadista
dos melhores! Humor sempre em alta! Fiel escudeiro de Daniel, como um Sancho
Pança quixotesco. Talvez tenha sido daí a referência de Zafón para a construção
de Fermin: a aventuras místicas e quase mortíferas de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, seu conterrâneo espanhol. Sem
spoilers diretos, saliento uma das melhores cenas o encontro de Fermin, Daniel
e o Velhinho no asilo.
“Promessa
é dívida, afinal…”
(leiam
e entendam o significado desta).
Em
A Sombra do Vento, você conhecerá TAMBÉM uma das personagens mais odiadas que
já li: Javier Fumero não merece nenhum comentário além desse…
Depois
que se lê A Sombra do Vento, você
passa a duvidar se encontrará outro livro que o supere. Enquanto o lê, você vai
entendendo porque cada personagem insiste tanto em querer ser lembrado, em
querer se marcar em suas lembranças para sempre, mesmo depois que o livro,
infelizmente, acaba. É o tipo de livro repleto de frases lindamente compostas
das quais você lê e relê a fim de decorá-la mentalmente.
A Sombra do vento
é, LITERALMENTE, o tipo de livro que faz com que você se apaixone do começo,
desde a primeira frase, ao final... Ao desfecho que espera Daniel logo à
frente.
Minha
paixão começou logo na primeira frase:
“Ainda
me lembro daquele amanhecer em que meu pai me levou pela primeira vez para
visitar o Cemitério dos Livros Esquecidos.” (p. 7)
Frase
que se assemelha demais com a inicial de meu livro favorito, Cem Anos de Solidão, já citado no início
deste texto:
“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o
coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai
o levou para conhecer o gelo.”
Existe
uma imagem que está gravada em minha lembrança para sempre deste livro. A cena
em que, já sabendo estar sendo vigiado, Daniel se aproxima da janela e
contempla a hálito da madrugada lá fora. Logo à frente, entre a escuridão da
rua deserta, ele vê a brasa de um cigarro sendo tragado. É quando ele vê, em
transe, que existe alguém ali parado nas sombras, encarando-o.
“Ao
voltar ao salão, apaguei a luz e sentei-me no velho cadeirão do meu pai. O
sopor da rua adejava nas cortinas. Não tinha sono, nem vontade de o tentar.
Aproximei-me da varanda e assomei até ver o relume vaporoso que os candeeiros
da Puerta del Angel vertiam. A figura recortava-se num retalho de sombra
deitado sobre o empedrado da rua, inerte. O ténue pestanejar âmbar da brasa de
um cigarro reflectia-se nos seus olhos. Vestia de escuro, uma mão enfiada no
bolso do casaco, a outra a acompanhar o charuto que tecia uma teia de aranha de
fumo azul em torno do seu perfil. Observava-me em silêncio, com o rosto velado
a contraluz da iluminação da rua. Permaneceu ali pelo espaço de quase um minuto
a fumar com abandono, o olhar fixo no meu. Depois, ao ouvirem-se as badaladas
da meia-noite na catedral, a figura fez um leve aceno com a cabeça, um
cumprimento por detrás do qual depreendi um sorriso que não podia ver. Quis
corresponder, mas tinha ficado paralisado. A figura voltou-se e vi-a afastar-se
coxeando ligeiramente.” (p. 33)
Essa
imagem, dentro da narrativa, é de um impacto tremendo. É quando Daniel começa a
perceber-se de seu coração quando este começa a tamborilar de medo. A partir
daí, ele sentirá este mesmo pavor diversas outras vezes.
Asseguro
que este é um livro do qual você se lembrará para sempre.
Então
ele acaba e você se entristece. Somente depois de seu fim descobri que este é
só o começo de uma série: a trilogia O
Cemitério dos Livros Esquecidos! Zafón escreveu mais duas partes desse. O
Jogo do Anjo (2008) e o seu final em O Prisioneiro do Céu
(2011), onde temos, na terceira parte, o foco trágico por trás da história
infeliz de Fermin e sua ligação com o livro O
Conde de Montecristo. Então, uma vez mais visitei a história deste
Cemitério. O segundo livro começa em outra história um tanto diferente. Quando
você chega às páginas finais desse, descobre, aturdido, que Zafón deu uma
reviravolta fantástica em tudo. E que, o que você pensou saber em A Sombra do Vento, era a mais pura
ilusão. E você fica deliciado por isso. Por sentir que o autor estava lhe
guiando em silêncio para esta revelação.
Tenho
vontade de escrever mais!
Comentar
e contar tudo!
Com
todos os spoilers, porque ele é simplesmente incrível!
Mas
não contarei!
Zafón
tem pulso firme e inteligência fenomenal.
Um
olhar de pintor “davinciano”, que se dedica em descrever as dores de uma
Barcelona em tons de cinza.
Mas
isso é algo que se deve ler para
crer…
Leia
de novo...
E
de novo...
Pois,
A
Sombra do Vento, é incansável!
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