A ESTRADA DA NOITE, de Joe Hill

Há, nos E.U.A,
Um Astro do Rock e sua excêntrica coleção macabra;
Um fantasma sendo vendo pela Internet;
Uma jovem com nome de Estado;

E a Estrada da Noite chamando os mortos para percorrê-la.

Penso que o modo correto de começar esta resenha seja citando o livro A Menina que roubava livros (2005), de Markus Zusak, onde, logo em sua contra capa, anuncia-se que “Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler”. 
A Morte, quando personificada, trás consigo tantas verdades que, em muitos casos, somente o silêncio e o pesar respiram naquele espaço. Joe Hill, neste seu romance de estreia, deixou-me com essa sensação ao final da leitura: que A Morte nos espera sempre na esquina, na próxima curva, e que nosso encontro com ela simplesmente é irrevogável.
Em A Estrada da Noite (2007), conhecemos a Lenda do Rock Jude Coyne e sua coleção particular: o crânio de um camponês do século XVI, que fora perfurado para que os demônios saíssem;  a confissão de 300 anos atrás assinada por uma feiticeira; um laço duro e gasto que fora usado para enforcar um homem na Inglaterra, na virada do século; o tabuleiro de xadrez de infância do mago Aleister Crowley e uma fita de vídeo snuff (gravação que mostra uma cena real de assassinato). Com esse acervo macabro, Jude estereotipa a imagem de roqueiro e aguça a curiosidade de seus fás. Até que seu assistente lhe comunica sobre um leilão na internet: Alguém estava vendendo o fantasma de seu padrasto online pelo lance mais alto!
Lance dado, compra feita, um dia chega para Jude pelo correio uma caixa no formato de coração (daí o título original, Heart Shaped Box, algo como A Caixa no formato de coração). Dentro dela, o paletó do morto. Cético, Jude não acredita em tudo o que leu, até que, à noite, enquanto caminha em direção ao seu escritório, ele encontra o fantasma de um homem sentado em sua poltrona vestido com o paletó: o fantasma havia realmente chegado! Com isso, após descobrir a verdade sobre a ligação dele com o morto, Jude corre para tentar se salvar, pois o morto, Craddock James McDermott, que havia sido espírita e famoso hipnotista em vida, não irá descansar enquanto não levasse Jude, e quem o ajude, consigo para a Estrada da Noite.
O livro segue com o jogo psicológico de Craddock mergulhando lentamente na vida e no subconsciente de Jude. Craddock quer destruí-lo, desfazer em pedaços toda a mente do astro do Rock por algo que esse fez. Quer deixa-lo rastejando, com o objetivo de que, ao final, este implore que o fantasma o mate.

"Não precisa olhar para isto, Craddock lhe disse. Eu estou morto. Não preciso de um pêndulo para penetrar em sua mente. Já estou nela." (p. 85)
Na fuga, Jude leva consigo sua atual namorada, Georgia. Ele tenta emblematizar a figura distante de ídolo e transmuta isso ao não chamar suas namoradas pelo nome real, mas sim pelo Estado de onde estas vieram. Georgia, ou Marybeth, acompanha Jude cruzando estados em seu carro, acompanhados de seus dois cachorros.
O titulo da obra na tradução, refere-se às diversas passagens em que Craddock, e outros espíritos que resolvem visitar Jude a fim de instiga-lo a aceitar a morte, comenta o que há além da vida. Segundo eles, logo depois, há uma estrada. E que todos precisam cruzá-la.

"Vamos dar uma volta, Jude, dizia o fantasma. Vamos dar uma volta na estrada da noite." (p.91)
Mas, à medida que lemos e conhecemos melhor a personalidade de Jude, vemos que a presunção deste não passa de uma casca em virtude das feridas de seu passado. Existe uma raiva guardada contra o pai, Martin, que o impede de criar laços com qualquer outra pessoa. Em diversos momentos, ora Craddock, ora o próprio Jude, escavam lembranças que reascendem este ódio.
"(Jude) matara porcos quando garoto, pegando os leitões pelas pernas e esmagando seus cérebros no chão de cimento do matadouro do pai. Você os atira para cima e depois bate com eles no chão, calando-os no meio de um guincho com um barulho de rachar nauseante e meio abafado, como o de uma melancia caindo de uma grande altura. Também tinha atirado em outros porcos com a espingarda de ferrolho e imaginado que estava matando o pai." (p. 140-141)

Jude cresceu como uma criança triste, e as lembranças borbulham para nos fazer sentir igualmente ódio de seu pai e empatia pelo pequeno Jude, como na vez em que seu pai, após descobrir que o garoto havia perdido 100 dólares para se inscrever em um concurso musical que acabou nem ganhando, o levou em direção a porta do porão e esmagou a mão de Jude com ela, quebrando-lhe todos os dedos, para que esse nunca mais tocasse.
Em um encontro com a enfermeira de seu pai, entendemos que a dor de Jude é antiga:

Ela deu um meio passo arrastado em direção à porta. Então se virou e disse:
— Eu e seu tio Pete o levamos à Disney World quando tinha sete anos. Está lembrado?
— Acho que não.
— Em toda a sua vida, eu nunca tinha visto você sorrir até aquele dia em que subiu nos elefantes e começou a girar e girar. Me senti muito bem com aquilo. Quando vi você sorrir, achei que tinha uma chance de ser feliz. Fiquei muito triste ao ver o que você se tornou. Tão deplorável. Usando roupas pretas e dizendo todas aquelas coisas terríveis em suas músicas. Morri de pena de você. Para onde foi aquele garoto, o que sorria no brinquedo dos elefantes voadores?
— Ele morreu de fome. Sou seu fantasma.

Divido A Estrada da Noite em dois momentos. No primeiro deles, a parte inicial do livro, temos uma narrativa simplória, “clicherizada” e sem profundidade. Isso se estende até o momento em que Jude e Georgia decidem fugir (página 95), fator esse, penso, que leva muitas pessoas a desistirem do livro. No entanto, devemos dar crédito por este ser o seu primeiro romance. A segunda parte, porém, senti que a narração iniciou mergulhou, recebeu um aprofundamento, e não creio que seja por conta do espaço narrativo em que se encontram as personagens: na estrada, onde só lhes resta falar, lembrar e contar. Tive a impressão de que, na verdade, Joe Hill deva ter começado, pausado e continuado este livro tempos depois. Parecem dois blocos distintos, onde um é raso, e o outro bem construído. Pela segunda parte, e pelo desfecho do romance, vale muito a pena ser lido!

FATOS CURIOSOS SOBRE ESTE LIVRO

Li A estrada da Noite, depois de ter lido os outros dois romances de Joe Hill, O Pacto (2010) e Nosferatu (2014) apenas por questão de falta de oportunidade em lê-los na sequência de publicação, e isso acabou sendo uma das melhores ações.
Deixando de lado o fator melhor elaboração de escrita que se percebe nas obras seguintes, vi que A Estrada da Noite está repleta de referências que surgiriam depois nos outros livros do autor.
Em Nosferatu, conhecemos o maníaco Charlie Manx que, usando seu poder de atrair crianças para uma Terra de Faz de Conta, para sugar suas forças vitais, vive muitas anos, sequestrando crianças pelos Estados Unidos ao longo de décadas.
Em A estrada da Noite, Georgia conta a Jude sobre Ruth, a irmã gêmea de sua avó, que, quando criança, na década de 50, havia sido sequestrada do quintal de sua casa e ninguém nunca soube o seu paradeiro. No entanto, o fantasma da menina continuava a ser visto pelos familiares no velho quintal, ao lado da cerca, no momento em que essa havia sido levada, como um filme sendo constantemente repetido. Até que Jude vê a menina:

“Ruth parou de cantar e a noite ficou silenciosa, agora sem barulho algum, nem mesmo de rãs ou de insetos. A menininha virou a cabeça para dar uma olhada na viela atrás da casa. Sorriu e a mão se agitou num breve aceno, como se ela tivesse acabado de ver alguém parado lá, alguém que conhecia, alguém amistoso da vizinhança. Só que não havia ninguém na ruela. Havia páginas velhas de um jornal grudadas no chão, vidros quebrados, mato crescendo entre as lajotas. Ruth saiu de sua posição agachada e caminhou devagar para a cerca, os lábios se movendo - conversando silenciosamente com uma pessoa que não estava lá. Quando Jude deixou de ouvir sua voz? Quando ela parou de cantar.”
À medida que Ruth se aproximava da cerca, Jude sentia um alarme crescente, como se estivesse vendo uma criança prestes a se atirar no meio de uma rodovia movimentada. Queria chamá-la, mas não conseguia, não conseguia sequer respirar, (p. 163).

Charlie é um dos personagens mais assustadores que já li. Ele é cruel. Mal de verdade! E, quando li essa passagem, sabia EXATAMENTE que foi ele quem ficou ali, parado ao lado da cerca, 50 anos atrás, em silêncio, mostrando seus dentes tortos e levando a pequena Ruth pela mão. Na cena, ninguém nunca via quem era a pessoa que levava a menina, assim como Jude não o viu, mas o modo que ela encara depois da cerca, encara alguém ali parado, me deixou arrepiado demais. Eu sabia que o “Nosferatu” estava ali, e por ter lido o livro, sei o destino de Ruth e o porquê de nunca a terem encontrado.

Outra coisa que me deixou grilado sobre este livro foi quando Joe Hill fez uma referência a algo que seu pai, Stephen King, escreveria somente 7 anos depois do lançamento de A Estrada da Noite.  
Em Doutor Sono (2014), continuação de O Iluminado (1977), Stephen King narra a história de Danny e como ele se tornou o Doutor Sono. Em contra partida, a narração relata sobre um grupo de idosos, uma espécie de seita, que cruza os estados em trailers Enquanto isso, eles vão sequestrando crianças com o Dom da Iluminação e as matando, enquanto sugam o ar liberador por elas: quanto maior for o sofrimento delas enquanto morrem, maior será a quantidade de Iluminação liberada.
Jude, em A Estrada da Noite, livro de 2007, enquanto conversa com Jéssica ao telefone, a mulher que leiloou o paletó, temos a seguinte discussão:

— Você vai morrer... - Jessica cuspiu.
Jude cortou.
— Pense em outra fala. E enquanto estiver trabalhando nisso, aqui está mais alguma
coisa em que pensar: eu mesmo conheço algumas almas danadas. Dirigem Harleys, moram em trailers, usam drogas pesadas, seviciam os filhos e matam as esposas. Você os chama de escória. Eu os chamo de fãs. Quer ver se consigo descobrir alguns que moram na sua área para dar uma passada por aí e dar um alô? (p. 30)

Posso ter pego a referência errada, sendo que há a menção da moto Harley aí, porém pode também induzir referência aos velhinhos assassinos devoradores de iluminação.

Apesar de ser um livro não muito seguro na escrita (diferente de Nosferatu, onde Joe Hill está imensamente mais confiante sobre o que diz), A estrada da Noite deixou muita coisa em minha mente. Muita coisa a pensar…
… Refletir…

Muito sobre a Morte e o poder que Esta tem em desfruir e reduzir ao pó tudo o que toca. Ao final, e retomando o início desta resenha, a Morte contou a história de Jude e vemos que tudo está mais relacionado a perda do que a ganho. Que existem coisas das quais não podemos esconder e segurar para que não sejam levadas por Ela.
Ela sempre vem e busca tudo.
Tudo nosso pertence a Ela!
Até nós mesmos.
Então ela vem e nos chama...
... Se não formos, Ela se convida para entrar, sentar, segurar nossas mãos e nos levar pela Estrada da Noite lá fora que nos espera…



Por Luvanor N. Alves
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