Há, nos E.U.A,
Um garoto que se apaixona pelo melhor amigo;
Um diário antigo de outro jovem que se suicidou.
Uma necessidade constante em não aceitar que as coisas se perdem...
E a descoberta de que Ellie Golding estava certa quando cantou que “Anything
could happen”...
“outro livro que fala sobre um jovem”…
“Outro história gay”…
“Outra paixão platônica em que torcemos por um final previsível”... foi o que pensei
É quase impossível não se prender a clichês quando se cria uma “nova”
narrativa, pois esses são caminhos mais fáceis quando se pretende dar
fôlegos à personagens. O escritor se encontra em um grandioso redemoinho de
histórias batidas a La Dorothy rodopiando em seu tornado. Dando ênfase a
alusão, nem sempre o autor consegue chegar inteiro a Terra de Oz. Ora ele fica
destroçado por baixo de sua história tão “lugar comum” como a Bruxa Má do Leste
esmagada pela casa da menina quando está despencou na terra dos Munchkins, ora
ele consegue o feito de criar algo tão interessante para seu público alvo que
merece ter realizado dois de seus melhores desejos, no lugar de apenas um, pelo Mágico
daquelas terras inexploradas.
Will Wilson escreveu Tudo Pode Acontecer (2002) contando a
história do jovem Tretch Farm – ou apenas
Richard – de 15 anos e sobre sua paixão platônica por seu melhor amigo, Matt Gooby. Ambos vivem uma uma cidadezinha
no interior dos Estados Unidos onde todo mundo sabe da vida de todo mundo,
fator que torna ainda mais difícil o fato dele estar apaixonado por Matt. Por
outro lado, ele julga que seu amigo não sabe de nada sobre seus sentimentos, e,
sobre isso, Tretch tem dúvidas se essa é uma coisa ruim ou boa, dada a situação
de amizade entre os dois. Questão relacionadas a sua família desconhecer sobre
sua orientação sexual também são abordados seguindo uma linha cômica nas
diversas situações em que a personagem imagina a reação dos pais e do irmão caso
ele conte sobre si. Como toda estrutura clichê do gênero, a personagem ainda
sobre insultos na escola por um garoto chamado Bobby Handel, que sempre insinua que sabe a verdade sobre Tretch,
mal sabendo ele estar certo.
Quase sempre, o que chama minha atenção em um livro é a capa ou
o título. São raras as vezes em que escolho determinado livro para lê-lo
somente por ter lido algum resumo ou indicação. No caso de Tudo Pode Acontecer, aconteceu o mesmo: a capa foi o que me
instigou a ler.
Trech é um daqueles personagens tão comuns hoje em dia dos quais
é muito fácil gostar, como se todos eles fossem construídos com base em uma
mesma fórmula eficiente. Ele é confuso, atrapalhado, ansioso e imensamente preocupado
com que descubram seu tão colossal segredo. Contudo, ele é um personagem que
busca crescer, evoluir, se resolver diante das decisões que precisam ser
tomadas. A realidade sobre sua sexualidade parece andar ladeada pelos seus
sentimentos sobre Matt, onde, em muitas passagens, não sabemos ao certo qual
dos dois ele mais teme que seja descoberto primeiro.
“Na
barra de busca (…) digito: O que acontece quando você se apaixona? Seleciono o
primeiro resultado da busca na tela, que me leva a um artigo. Leio minha
resposta em um sussurro: ‘uma forma
moderada de obsessão’.”
Sobre questões como essa ele tenta refletir, observar,
aprender... entender-se diante das situações que surgem em sua vida. É quando
entendemos que, o mais importante do livro não é narrar sobre outra história de
amor de um adolescente que teme se assumir gay. O livro fala mais sobre autoconhecimento do que sobre se ele
irá beijar Matt enquanto observam as estrelas, ou quando precisam dormir juntos
na mesma cama.
Há algo martelando no meu peito. “É o seu coração”, penso,
“despedaçado, mas batendo mesmo assim. Ele está tentando te salvar. Sinta só,
Tretch. Sinta o seu coração se esforçando como nunca”.
Confesso que, na verdade, achei entediante todas as passagens
em que ele relata sobre seus sentimentos por Matt, tão batidas que
folheava as páginas seguintes, contando quanto faltava para acabar o capítulo.
Queria logo chegar ao final desta narrativa e contar como mais um livro “batido,
clichê, mais-do-mesmo”.
Mas, então, em uma das visitas a seus avós, Tretch encontra o
diário de seu tio que se suicidou. Nesse ponto você sente que algo vai mudar.
Não se trata apenas daquela reviravolta que induz um novo caminho a ser seguido
em toda narrativa. Você sente que aquilo irá tornar pequenos todos os
questionamentos sobre “beijar ou não
beijar” de Tretch.
Enquanto devora as páginas do diário do tio que ele não
conheceu, Tretch descobre ali coisas sobre o coração do homem que entregou a
vida. Os motivos do suicídio não são tão nítidos, mas conseguimos deduzir uma provável
motivação. Nisso, Tretch se entende. Se descobre. Para mim, aí estão os
melhores momentos do livro: o que descobrimos e aprendemos, junto com a
personagem, sobre seu tio. Entendemos verdades sobre se estar vivo e verdades
que impulsionam o desejo em se estar morto quando o dia seguinte chegar.
O título original do livro se deve a música de Ellie Golding, “Anything Could Happen”, ou Tudo Pode Acontecer na tradução. A ela
se deve também a força que guia Tretch quando ele conhece a música e a toma
como lema, como força para entender e seguir.
O livro apresenta uma destas leituras rápidas e simples ao estilo
John Green e David Levithan, inclusive o próprio John Green ajudou na edição
deste. Fato que nos faz compreender porque esse se parece tanto com a abordagem
narrativa de suas obras.
Tetch é um garoto simples que gosta de dançar...
De ouvir e se
deixar levar pela música...
movendo os braços...
as pernas...
Somente com a leitura sabemos o que acontecerá com seu coração
se esse chegar a revelar o que sente por Matt...
Somente lendo iremos saber se Bobby Handel continuará implicando
com ele...
Ou se a família de Tretch irá explodir, como ele pensa, quando
souberem que ele é gay...
Mas, no mais, bem como Charles dá a entender ao final de As Vantagens de Ser Invisível, Tretch
sabe que tudo ficará bem...
“Porque,
neste momento, dançando sozinho no meu quarto, sabendo que tenho uma vida
inteira para se desdobrar à minha frente e um milhão de coisas para aprender
com isso, só consigo sentir uma coisa.
As
coisas já estão bem.
Jão
estão mesmo.
Mesmo,
mesmo.”
Por Luvanor N. Alves
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