A NOITE DOS MORTOS VIVOS, de John Russo

Há, nos E.U.A,
Uma jovem gritando por ajuda,
Um grupo de sobreviventes em uma casa esquecida;
A noite chegando e sorrindo...

Trazendo os mortos de volta à vida.
Famintos…
E com força nos punhos para apertar e rasgar...

Ahn, sim! Eu era um garoto medroso!
Medroso daqueles que corriam para perto da mãe depois de um “filme ruim”. Na infância, não tinha muita proximidade com livros ou qualquer literatura escrita. Assim, grande parte do meu referencial veio do cinema. Era um garoto que, depois do almoço vendo o Bom Dia & Cia, estendia minhas tardes sem cochilos, aguardando ansiosamente o Cinema em Casa, no SBT.
Bogus – meu amigo secreto (1996), Lembranças de Outra Vida (1995), O Voo do Navegador (1986), Mundo Proibido (1992) e A Chave Mágica (1995) me entretinham independente do número de reprises. Naqueles anos 90, as sessões particulares eram preenchidas com filmes sem censura algum, filmes que hoje receberiam densas classificações, proibindo-os para menores de 16 anos.
Em meio a esses, conheci pérolas que aterrorizaram muitas das minhas noites, deixando-as em claro, com olhos estáticos espreitando qualquer movimento que pudesse rugir como um tigre dos cômodos ao lado. O Monstro do Armário (1986), Sepultado Vivo (1990), A Convenção das Bruxas (1990), Os Caça-Fantasmas (1984) atormentaram minha cabeça de moleque de 8 anos de modo impar. Porém, mesmo sabendo do fim, assistia-os de novo e de novo.
Em meio a esses, um universo do terror sempre chamou minha atenção – e o SBT sempre regava meus medos com mais exemplos deste grupo –: O Mito Do Zumbi!
A Volta dos Mortos-Vivos – parte 1 (1985) e A Volta dos Mortos-Vivos – parte 2 (1988) coroaram meu medo! Eu era o garoto que planejava o que fazer caso aquele enredo saísse da tela; planejava para onde fugir com minha família levando bolsas e mais bolsas repletas de roupas e bolachas recheadas.
Os zumbis se tornaram meu “bicho-papão” e minha obsessão. Até que conheci o filme o Mestre do Gênero, George A. Romero, e a sua obra prima do gênero:

A Volta dos Mortos Vivos (1968)

Em 2014, a Editora DarkSide lançou a versão romanceada do filme de Romero, escrita por John Russo. Nela, a versão do primeiro filme, A Volta dos Mortos Vivos, vem acompanhada de um segundo romance, uma história que nunca saiu do papel para as telas. Como fã do Universo Zumbi, precisei ler ambos: a paixão e o choque foram imediatos!
No primeiro, A Noite dos Mortos Vivos, iniciamos com Barbara e seu irmão Johnny dirigindo por uma estrada, em busca do cemitério onde seu pai está enterrado. Lá chegando, avistam caminhando entre as lápides, um homem de terno. Tanto no livro quanto no filme, vejo aí uma das melhores inserções de zumbi que já vi. Ele é apenas o “estranho que se aproxima”. Após um embate contra o morto vivo, Barbara foge sozinha e a pé. Desesperada, encontra uma casa vazia. Lá se tranca. Esconde-se o quanto pode, até descobrir que, no porão, outras pessoas também se escondem. É quando, com o cair da noite, os mortos começam a vir, lentamente, arrastando-se pela mata em direção ao cheiro de carne viva que treme de pavor dentro daquela casa.
Não se sabe ao certo o que motivou com que os mortos despertassem. Sabe-se, no entanto, o que se conta: que um satélite caiu na Terra, provocando, na região em que caiu, uma descarga intensa de radiação que terminou por religar os cérebros estagnados dos cadáveres nos cemitérios próximos. Nos anos 50, por causa da vaporização de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Gurra Mundial, todo mundo tinha medo de bombas nucleares e energia nuclear – principalmente aquela que dava errado. Desse modo, o temor à radiação despertou nos roteiristas a ideia de usar esse medo no cinema. Dele surgiram filmes como O Ataque dos Gafanhotos Gigantes, O Ataque das Formigas Gigantes e A Lula Gigante. Romero e Russo, captando este ideal de alteração radioativa, direcionaram para outro elemento místico temido: os mistérios do Além Morte.
O romance apresenta um nível certo de tensão no desenrolar. Fãs de George Martin, e sua crueldade narrativa em fulminar a vida de suas personagens sem dó nas Crônicas de Gelo e Fogo, precisam ler estes romances. Russo ceifa as vidas que mais queremos preservar. Mata sem dó, sem pena...
A todo o momento tememos mais e mais pela vida daqueles que estão ali dentro, trancafiados, pois, conforme a noite toma conta de tudo e outros mortos se aproximam, mais temos certeza que aqueles não sairão com vida dali.  

“Com um movimento rápido, o homem escancarou a porta da cozinha e se curvou para pegar a criatura morta aos seus pés. Os três seres demoníacos sob as árvores começaram a se arrastar lenta e ameaçadoramente em direção à casa. Em um esforço tremendo, Ben ergueu o cadáver e o atirou para fora de uma só vez. O corpo, caído a alguns passos da soleira, ainda se retorcia.
As criaturas continuaram a avançar pelo gramado, enquanto o canto dos grilos se misturava aos arquejos ásperos e agonizantes de seus pulmões mortos, sobrepondo-se aos demais sons noturnos. (p. 41)


Diferente do que se vê hoje em filmes, romances e séries do gênero, onde o foco narrativo encontra-se sobre o conflito daqueles que sobrevivem – as brigas internas motivadas por interesses de poder ou questões românticas parecem conduzir tudo. – nestes livros, no entanto, há apenas o pavor e mais e mais mortos se aproximando. Parece não haver muito o interesse em nos aproximar das personagens. Devemos, sim, sentir o medo delas, o pânico como se fossem ratos que migram em um funil para a ratoeira armada no fundo.

“Viu que agora havia quatro criaturas à espreita no quintal.
Às suas costas, a voz metálica da gravação continuava a se repetir no rádio.
E as figuras sinistras — cujas vagas silhuetas revelavam roupas esfarrapadas e cabelos desgrenhados — continuavam lá fora, quietas, com os braços pendendo junto ao corpo. Eram coisas frias, mortas.
De repente, algo que viu ao longe o sobressaltou. Do outro lado da estrada, um vulto se movia em direção à casa. Aquelas criaturas demoníacas aumentavam em número com o passar das horas.
Não era nada que Bem (um dos que se escondiam no porão) não tivesse previsto ou levado em consideração; mesmo assim, ver aquilo acontecer diante dos próprios olhos fazia seu coração bater mais forte, como se fosse saltar pela boca.

Barbara é o exemplo daquela personagem que não terá muitas chances. Movida por surtos de pavor e histeria, mais atrapalha do que ajuda quando os que estão ali resolvem pregar tábuas às portas e janelas.

Irritado com aquele ataque histérico, Bem agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a com força. Os soluços de Bárbara cessaram abruptamente, mas ela mantinha-se estática, com os olhos fixos em algum ponto à sua frente, como se ele não estivesse ali. Suas palavras, entretanto, embora ainda vagas e distantes, pareciam ganhar um pouco mais de coerência.
“Estávamos no cemitério... eu e Johnny... meu irmão Johnny... Tínhamos trazido flores para... e aquele... homem... veio atrás de mim... e Johnny... eles lutaram... e agora ele está... está...”
“Está bem! Chega!”, Ben gritou na cara dela. Tinha a sensação que se não conseguisse tirá-la daquele estado mental, ela perderia o juízo e faria uma besteira; podia se matar ou fazer algo que pusesse a vida dos dois em risco. Apertou seus punhos com mais força, e a garota se contorceu, tentando se soltar.

A história do segundo livro, A Volta dos Mortos Vivos, começa em resultado ao primeiro. O que aconteceu com as pessoas em volta daquela casa no campo. Nela, iniciamos com uma cerimônia que mais parece um velório. Diversas pessoas em volta de um corpo, enquanto o padre, atrás do cadáver, aguarda, segurando entre os dedos um prego e um martelo, o momento em que o morto acordará. Os efeitos da queda do satélite se ampliam, até o momento em que um acidente com um ônibus lotado deixa todos mortos: uma nova horda surgirá e se espalhará pela região.
Quando as famílias se isolam em suas casas no meio do campo, conhecemos Bert e suas filhas, Ann, Sue Ellen e Karen. O foco narrativo se mostra mais presente sobre eles. Por outro ângulo, acompanhamos também o xerife Conan McCLellan e as buscas policiais que lidam em ir atrás dos cadáveres e salvar as vidas daqueles que se encontram em suas casas no meio do nada, sem saberem que, os que se aproximarem de suas portas àquela noite, estarão em busca de algum bem mais precioso do que um simples copo d’água.
Após os acontecimentos do primeiro livro, os moradores daquela cidadezinha criam em si a ideologia de jamais permitirem que os mortos voltem à vida. Com isso, após saberem sobre o acidente com o ônibus, organizam-se em grupos ao local para pregarem pregos contra o cérebro dos cadáveres antes que as autoridades cheguem.
Bert e as filhas fazem parte do grupo...

Sue Ellen e o pai levaram o homem morto até uma clareira na floresta, onde outros cadáveres tinham sido dispostos em fileiras. Largaram o homem no chão, e a garota desviou os olhos quando a cabeça do cadáver pendeu torta para um lado, expondo o ferimento que quase separara sua cabeça do pescoço. Sue Ellen cobriu os olhos com as mãos, então lembrou tarde demais de que suas mãos estavam ensanguentadas. Tirou as mãos do rosto, mas ficou com uma mancha fresca de sangue em cada bochecha. A garota começou a chorar. Podia ouvir a respiração arquejante do pai enquanto ele descansava um pouco e observava Ann, que lutava para arrastar o corpo de uma criança de três anos pelo mato e para dentro da clareira. Uma grande lasca de madeira, parte de um galho de árvore quebrado, estava preso no peito da criança; ela tinha a boca aberta, e seus dentes estavam incrustados de sangue. Bert Miller fizera Ann arrastar o corpo da criança sozinha, enquanto ele e Sue Ellen carregavam o homem morto, um fardo muito mais pesado. O homem e a criança eram os últimos a ser retirados dos destroços do ônibus. Outros na clareira já tinham começado a martelar as estacas.

No entanto, na pressa, após ouvirem as sirenes da polícia, estes fogem, esquecendo-se de concluir o serviço em alguns dos cadáveres. A partir daí, a vida de todos passará a ser retirada um a um quando os mortos voltarem famintos...
Enquanto isso, Bert retorna para casa com suas filhas...

“Enquanto as três criaturas estavam quietas, uma delas virou o corpo lentamente, dolorosamente, a fim de olhar para trás.
Outros três humanoides se aproximavam, e já quase os alcançavam, avançando pelo milharal. Eles se moviam de modo duro, desajeitado. Um deles não tinha parte do braço e do rosto e arreganhava os dentes manchados de sangue como se estivesse sorrindo. Ele tropeçou e caiu de repente, esmagando um punhado de espigas de milho, que quebraram com um terrível estalo, depois ficou se contorcendo no chão, produzindo um som sibilante e gutural até conseguir se levantar. Seus companheiros tinham seguido em frente, movendo-se com grande esforço e aparente concentração em direção à casa de Bert Miller, cujas luzes se via ao longe.”

Em 1990, A Volta dos Mortos Vivos recebeu uma refilmagem igualmente boa que me renderam pesadelos por umas cinco noites seguidas.
Ambos os romances trazem em si um poder único de nos apreender. Em diversas passagens fiquei ali, encarando as palavras de boca aberta sem acreditar na crueldade narrativa descrita.
Nunca desejei tanto que uma personagem fugisse...
Corresse...
Que a pequena Ann corresse quando teve que ir sozinha de sua casa, no meio da noite, à cidade em busca de ajuda...
Quando desejei que o morto no quarto ao lado não percebesse que Karen estava dando à luz no quarto vizinho, tentando não gritar...
O quanto em choque fiquei sob a mão criativa de John Russo...

E que jamais pensei que aquele medo que tive durante a infância pudesse ressurgir do túmulo onde jurei que estava há anos enterrado...

Por Luvanor N. Alves
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