Jamais esquecerei um texto que li certa vez sobre a contracapa do
livro Os trabalhos de Hercule (1947) ao lado da fotografia de uma Agatha
Christie sorridente:
“Está vendo esta sorridente senhora de olhar doce e
amistoso? Não se engane: ela já matou mais de 70 pessoas.”
Com isso dava para
antever o monstro que existia por baixo daquele olhar maternal quando sentava
para escrever e dar vida à tramas bem elaboradas.
A construção do romance policial na literatura apresenta diversas
possibilidades de seguimento. Ou segue pelo trançado de informações que focam
apenas no crime cometido, onde temos, quase sempre, um detetive direcionando
sua visão e ouvidos (e olfato, se formos citar Sherlock Homes, de Doyle) à
análise de pistas; observação do espaço (considerando cronologia e fatores
temporais) e o interrogatório das testemunhas e potenciais suspeitos. Ou a
narração segue por uma abordagem focando na construção psicológica de suas
personagens, deixando a investigação e a “busca pela verdade” em segundo plano.
Recentemente, tramas surgem mais focadas no segundo grupo. A Garota no Trem (2015), de Paula
Hakins, e Garota Exemplar (2014), de
Gillian Flynn, apresentam o desenvolver de investigações, no caso por parte de
suas protagonistas, em busca da resolução de um problema particular, mas que
ganha proporções catastróficas, seguindo o aprofundar de uma densa teia
psicológica que só se mergulha (e se enterra) ainda mais.
No primeiro grupo, temos as obras de Agatha Christie!
Considerada a “Rainha do Crime” na Inglaterra (e para todo o mundo!),
ela deu uma nova roupagem para o que conhecíamos sobre o gênero até aquele
momento. Além de apresentarem uma construção baseada na resolução do crime,
tínhamos também o retrato de uma
Inglaterra ainda bebendo da fonte pós-Vitoriana, com seus costumes, crenças e
medos de duas Guerras Mundiais rondando as sombras...
De Christie, em minha época de escola, li 75 livros. Tentei indicar um
número par. Juro que tentei! Mas não consegui. Abaixo, listo as obras que
considero melhores em ordem de importância sobre seu cunho de originalidade.
11 - O CAVALO AMARELO (1961)
Forças estranhas e
perigosas, que aliam as velhas crenças aos novos conhecimentos científicos, são
responsáveis por assassinatos à distância, por telepatia. Uma organização
particular criminosa dedicada à eliminação de pessoas ricas, que não emprega
assassinos profissionais, uma vez que suas vítimas morrem de ''doenças''.
Deixando sempre, é claro, sobreviventes que lucram com as mortes. E o inspetor
Lejeune, um homem de imaginação capaz de considerar as possibilidades menos
ortodoxas, consegue chegar ao terrível deslindamento de uma trama macabra, que
arrebata a fantasia e a imaginação do leitor.
POR QUE
GOSTEI: Além de tratar sobre o ocultismo, relacionando desde o seu
título referências ao Apocalipse, da Bíblia, o livro tornou-se interessante
pelos fatores que cercaram sua primeira publicação quando, na Inglaterra,
funcionários de uma fábrica foram envenenados. Quando pego, o acusado do crime
apontou o livro de Agatha como influência em seu modus operanti. A imprensa inglesa foi ao delírio quando a autora
vou convocava a comparecer ao tribunal.
10 - UM GATO ENTRE OS POMBOS
(1959)
Em mais este caso, Hercule
Poirot vai percorrer um longo caminho até descobrir o responsável pelos crimes
cometidos no colégio Meadowbank, só para moças, na Inglaterra: as razões para
os assassinatos estão muito mais longe daquele país do que se poderia imaginar.
POR QUE
GOSTEI: não sou muito fã dos livros em que Agatha Christie
embasa a trama nos elementos de espionagem comuns ao seu contexto entre Guerras
Mundiais. Entretanto, gosto deste em particular pelas reviravoltas que a trama
dá, pois sempre que desconfiava de alguém ao longo da narrativa, ou esta
personagem apresentava um álibi, ou então era também assassinada. Ao final, não
“acertei” o desfecho.
9 - MORTE NO NILO (1937)
A parte principal deste
romance desenvolve-se a bordo de um barco, que navega pelas águas do Nilo, em
cujas margens se levantam ruínas milenárias, restos de uma civilização dedicada
ao culto dos mortos; e lá nesse ambiente fúnebre, uma deslumbrante garota, que
tinha tudo - juventude, beleza, riqueza e felicidade —, perde tudo, num
repente, ao ser assassinada na sua cabine. O assassinato foi cuidadosamente
planejado, para que seja impossível descobrir o assassino, quem teve a má sorte
de que Hercule Poirot estivesse de férias no Egito, e pudesse investigar seu
crime - aliás, seus crimes, porque há mais de um — com uma maior atenção da que
se tinha empregado em cometê-los. Para aumentar a intriga e o suspense, sabemos
que entre os passageiros do Karnack, se encontra um famoso assassino
profissional, que é perseguido pelo Coronel Race, amigo de Poirot e sagaz
agente do Serviço Secreto inglês.
POR QUE
GOSTEI: Nesse, o que me encantou foi o desfecho. A cena final
onde o culpado se entrega... o modo em que ele faz isso... a ousadia... a propriedade
no que está fazendo... aiiii.... bom demais!!!
8 - MORTE NA MESOPOTÂMIA (1936)
Para a enfermeira Amy
Leatheran, sua paciente era um caso muito estranho. Louise, casada com um
famoso arqueólogo, sofria de angústia nervosa, segundo seu marido. Suas
fantasias eram vívidas e macabras: uma mão decepada, um rosto cadavérico contra
a vidraça... Mas de que ou de quem ela teria tanto medo? Perto do marido e de
velhos colegas e amigos, ela estaria a salvo. Entretanto, a formalidade do
grupo não parecia natural: pairava no ar uma tensão, um certo desassossego.
Algo muito sinistro estava acontecendo. E tinha a ver com... Assassinato. Mrs.
Leidner é assassinada. Fora algo muito estranho, pois ninguém vira pessoas
circularem no pátio do local que dava acesso a cena do crime. Quem teria feito
tal monstruosidade? Só uma pessoa poderia responder: Hercule Poirot.
POR QUE
GOSTEI: A Mesopotâmia em si já é exótica o suficiente e um bom
motivo para se ler. Nesse, contudo, o que me ganhou foi o modo como o
assassinato principal foi cometido. Isso sim é que é arquitetar bem um plano...
Pena que existia um Hercule Poirot para estragar tudo!!
7 - É FÁCIL MATAR (1939)
O ex-policial Luke
Fitzwilliam percebeu ao entrar no trem o quanto estava gostando de voltar para
a Inglaterra e ficar dentro de casa sentado e descansando de uma longa e
esforçada vida no estrangeiro. Olhou os passageiros no vagão do trem e percebeu
que a velhinha sentada em frente não ia ficar calada por muito tempo. Acertou
em cheio. Miss Pinketon, uma velhinha esperta, sabia de toda a vida dele em
poucos minutos. Ficou bastante admirada ao saber que Luke fora da polícia, pois
estava justamente indo procurar a Scotland Yard. Rapidamente explicou que
embora o policial da cidadezinha onde ela morava fosse uma excelente pessoa,
não era muito indicado para lidar com assassinatos. Diante da dúvida e do
espanto de Luke, ela explicou que as pessoas podem se enganar na primeira vez,
mas não na segunda, na terceira ou na quarta. Luke não pôde deixar de
concordar. Por isso mesmo que, mais tarde, sentiu-se obrigado a começar a
investigação onde ela havia parado por uma razão fortíssima - a morte - por
assassinato.
POR QUE
GOSTEI: Aqui, nunca um título fez tanto jus aos crimes. A cada
crime eu pensava que, sim, “é fácil matar!”. Leia para entender...
6 - A CASA DO PENHASCO (1932)
Acidente Número 1: o quadro
pesado que despenca na cama de Miss Buckley.
Acidente Número 2: a pedra
grande que se solta perto dela, numa trilha do penhasco. Acidente Número 3: os
freios do carro que falham numa encosta íngreme.
Acidente Número 4: a bala
que por um triz não lhe atinge a cabeça.
Mas, finalmente, o atacante
desconhecido comete um erro fatal: há uma testemunha. Hercule Poirot está em
cena...
POR QUE
GOSTEI: Porque fui feito de tolo! O tempo todo!!! Creio que meu
lado cético sobre o que as pessoas falam nasceu neste romance... A Dama do
Crime soube enganar perfeitamente bem!
5 - A CASA TORTA (1949)
O octogenário Aristide
Leonides, dono de grande fortuna, é envenenado em sua mansão, onde vivia com
toda a família — sua esposa, cinquenta anos mais jovem, dois filhos, duas
noras, três netos e uma cunhada. Qualquer um poderia tê-lo matado. O único
motivo evidente é a fortuna deixada como herança. Mas parece pouco provável que
alguém se dispusesse a sujar as mãos por causa do testamento de um velho em
idade já tão avançada. Charles Hayward não tem como não se envolver na
história: Sir Arthur Hayward, seu pai, é o comissário-assistente da Scotland
Yard responsável pelo caso; e Sophia, com quem pretende se casar, é uma das
netas da vítima. Portanto, Charles tem seus motivos para tentar solucionar o
mistério.
POR QUE
GOSTEI: Uma família grande. Um crime sutil. Estava tudo ali. Tudo
na cara. Eu que não consegui crer... Nem depois de termina-lo eu consegui
acreditar. Mas, é perfeito!
4 - OS CRIMES ABC (1936)
Há um serial killer à solta,
matando suas vítimas em ordem alfabética. A única pista que a polícia tem é um
macabro cartão de visitas que o assassino deixa em cada cena do crime: um guia
ferroviário aberto na cidade onde a morte acontece.
A Inglaterra inteira está em
pânico com a sucessão de crimes e o assassino vai ficando mais confiante a cada
morte. Seu único erro é pôr à prova o orgulho de Hercule Poirot, um erro que
pode ser mortal.
POR QUE
GOSTEI: Porque é genial! A ideia de alguém matar seguindo a
ordem alfabética. Bem C.S.I Miami. Mas o motivo... Aí já é outra história.
OS
TRÊS LIVROS QUE SE SEGUEM, CONSIDERO QUASE IMPOSSÍVEL DE DESCOBRIR OS SEUS
DESFECHOS!
3 - O ASSASSINATO DE ROGER
ACKROYD (1926)
Três estranhas mortes em
sequência despertam grande curiosidade numa velha moradora de uma pequena vila
inglesa. Elas envolvem, respectivamente, um assassinato, um suicídio e um
segundo assassinato. O primeiro corpo é o de um homem cuja mulher, pouco
depois, se suicida. Seu suicídio é, por sua vez, seguido pela morte de um
segundo homem – que se descobre ser amante dela. Também se descobre que a
mulher estava sendo chantageada, justamente em função de haver matado o marido
para poder ficar com o amante... O assassino de seu amante talvez seja, então,
o chantagista, que estaria para ser descoberto – ou talvez não seja. Quando
tudo isso acontece, está por ali um visitante, chamado Hercule Poirot. Só três
pessoas podem, então, descobrir a verdade: a velha senhora inglesa, o bom detetive
belga e o caro leitor brasileiro.
POR QUE
GOSTEI: Porque nesse, Agatha Christie ultrapassou uma barreira
nunca pensada, ou pelo menos tentada por nenhum outro escritor do gênero, o que
lhe rendeu o título de Dame pela Rainha da Inglaterra.
2 - O ASSASSINATO NO EXPRESSO
DO ORIENTE (1934)
Pouco depois da meia-noite,
uma tempestade de neve para o Expresso do Oriente nos trilhos. O luxuoso trem
está surpreendentemente cheio para essa época do ano. Mas, na manhã seguinte,
há um passageiro a menos. Um americano é encontrado morto em sua cabina, com
doze facadas, e a porta estava trancada por dentro. Pistas falsas são colocadas
no caminho de Hercule Poirot para tentar mantê-lo fora de cena, mas, num
dramático desenlace, ele apresenta não uma, mas duas soluções para o crime.
POR QUE
GOSTEI: Porque nesse ela soube arquitetar bem. Soube igualmente
mexer com o improvável no gênero e nos dar, ainda assim, uma resposta plausível
e convincente ao final.
1 - O CASO DOS DEZ NEGRINHOS
(1939)
Dez pessoas são convidadas
pelo misterioso U.N. Owen para passar alguns dias numa ilha perto de uma aldeia
pouco movimentada. Os convidados aceitam o convite e de igual maneira embarcam
num barco local para a ilha. Na primeira noite, quando todos já se conheciam
razoavelmente bem e conviviam animadamente na sala, ouve-se uma voz vinda das
paredes da sala, acusando cada um dos dez presentes de ter cometido um crime,
crime esse que apesar de ser despropositado ou inevitável, levou à morte de
outras pessoas. O pânico instala-se e mortes inexplicáveis se sucedem, tendo
por única pista uma canção infantil.
POR QUE
AMEI: Porque nesse ela soube ser brilhante. Isolou. Prendeu.
Assustou suas personagens ao extremo, sem deixar ponto algum de fuga senão a
sobrevivência sobre a ameaça invisível que os rondava. Quando um a um vai sendo
eliminado, a tenso se adensa. Quando restam apenas três na ilha, quase fico sem
fôlego... Quando um olha para o outro sem saber quem entre eles é o assassino,
você faz suas apostas... O final e a resposta, deixam seu coração na mão...
É quando você termina um deste livro dela e o
lê uma segunda vez para resgatar as pistas... E estão todas lá... Agatha sempre
foi uma autora que nunca gostou de brincar sozinha em suas narrativas. Ela
sempre entregou tudo... Todos os detalhes, as pistas... Sempre quis que nós
leitores nos divertíssemos junto com ela. Mesmo quebrando o paradoxo do leitor
de romance policias.
Quando descobrimos o culpado
antes do fim:
Amamos, por nos sentirmos
sagazes, inteligentes
Odiamos, por termos diante
de nós uma trama que não “nos enganou”.
O leitor deste gênero gosta
de ser enganado. Anseia desesperadamente por mentiras, enganações, sorrisos
dúbios...
Pois, ao final, quer ter o
prazer de sentir que o escritor foi esperto o suficiente para nos fazer de
tolos....
Agatha Christie faz! Ela
engana! Mente! Mente bem! Muito bem, por sinal!!!
E isso só nos deixa querendo
mais... Bem mais!
Por Luvanor N. Alves
Adorei a lista! Salvei a página para colocar os que não li na minha lista de leitura. Meu primeiro contato com ela foi com O Caso dos Dez Negrinhos, clássico! Depois vieram outros, mas faz muito tempo que não leio nada dela, acho que tá na hora de voltar.
ResponderExcluirAhn, Neto! Sempre é tempo de voltar à Agatha! Primeiro que li dela foi Um Brinde de Cianureto e já me apaixonei! Vale muito a pena, sempre! Quando retornar, indique-nos suas impressões!
ResponderExcluirBrigadão!