Há, nos E.U.A,
Um jovem sem destino encontrando o circo sobre os trilhos;
Uma bela Amazona que encanta sobre o dorso dos cavalos;
A elefanta mais burra do mundo…
E um senhor de 90 ou 93 anos olhando o circo pela janela para contar
esta história...
Era bem reticente em ler Água
para Elefantes (2006). Grande parte disso devo ao fator de que “o livro me
ganha TAMBÉM pela capa”, e a presença de Robert Pattinson ali me mantinha
distante (visão besta, concordo!). Justamente por isso, decidi cruzar os
limites da capa e conhecer a grandiosidade do Esquadrão Voador do Circo Irmãos
Benzini, o Maior Espetáculo da Terra.
A autora, Sara Gruen, escreve a história de Jacob Jankoski rareando entre os 90 ou 93 anos, agora “hóspede” em
um asilo particular. O velho Jabob passa seus dias aguardando que este sempre
seja o último, enquanto reclama da vida e das inconveniências de ser velho e
esquecido pelos filhos.
“A idade é um ladrão terrível. Justamente quando começamos a entender
melhor a vida, a idade nocauteia suas pernas e arqueia suas costas. Ela lhe
trás dores, lhe confunde a cabeça e silenciosamente espalha o câncer em sua
esposa.”
O conflito surge quando um circo itinerante arma sua longa tendo no
terreno ao lado do asilo, sendo visível pela janela. Nisso, durante um jantar
comum, um novato no asilo, Joseph McGuinty, faz o comentário que chama a
atenção de Jacob, enfurecendo-o:
"- Eu costumava levar água para os elefantes – diz McGuinty.
Largo meu garfo e levanto meus olhos. Ele definitivamente está inflado
de orgulho, esperando que as garotas comecem a bajulá-lo.
- Não, você não levava – digo.
Há um momento de silêncio.
- Como é que é? – diz ele.
- Você não levava água para os elefantes.
- Claro que levava.
- Não, não levava.
- Você está me chamando de mentiroso? – diz ele, devagar.
- Se você diz que levava água para os elefantes, sim, estou chamando
você de mentiroso." (p. 13)
A essa discussão (e o motivo de tamanha impossibilidade em se levar
água para os elefantes) a nós é explicado pelo que se segue: Jacob entre em uma
catarse em seus próprios pensamentos relembrando uma época específica em sua
vida: quando era jovem, havia abandonado a faculdade de veterinária e entrado
para o Esquadrão Voador.
Então conhecemos os entraves de um circo que foge da falência. Veja
bem: é uma época de lei seca nos EUA, muitos das atrações itinerantes tiveram
seu fim diante da falta de público e dinheiro, restando apenas aos Grandes do
Universo Circense a função de entreter os nervos elevados daqueles que tinha no
álcool e nas noitadas ponto de fuga.
Conhecemos Marlena, a amazona que se apresenta sobre o dorso dos
cavalos; Kinko, o anão e sua cadela Quennie; August, marido de Marlena e
“gerente” das atrações; Tio Al, proprietário do Esquadrão Voador; e, por fim,
Rossie, a Elefanta mais Burra do Mundo, por quem logo Jacob se afeiçoa.
Enquanto o lia, facilmente recordei outras narrativas onde temos esta
função reflexiva e catártica de uma personagem, já idosa, recordando algum
momento de sua vida em que se considerava feliz, ou, mais importante ainda, a
marcou de modo impar, a ponto de, em meio a senilidade, ser o momento do qual se recorda com maior riqueza de
detalhes a ponto de nos contar, abrindo seu coração e suas feridas,
sangrando-as uma últimas vez mais.
Dois livros me foram mais nítidos como referência. O primeiro foi O Caderno de Noah (1996), do autor
Nicholas Sparcks, onde temos esta narrativa bipartida, ora encontramos um
senhor lendo as páginas de um diário para uma mulher em um asilo, ora
acompanhamos sobre quem fala os trechos do diário: a história de amor entre
Noah e Allie. O livro, em uma nova edição, recebeu outro título em função de
sua versão para o cinema, Diário de uma
Paixão (2004), com Ryan Gosling e Rachel Mcdams nos papéis de Noah e Allie.
O segundo romance do qual
lembrei foi À espera de um Milagre
(também de 96), de Stephen King. Nele, temos a história de Paul Edgecombe.
Iniciamos a leitura como em Água para
Elefantes: a personagem em um asilo retornando mentalmente à determinando
momento de sua vida. No caso de Paul, ao ano de 1935, momento em que era chefe
de guarda no corredor da Morte em uma prisão da Louisiana. A história muda quando o detento negro John
Coffey é enviado à prisão, condenado à morte, acusado de assassinar duas
garotinhas brancas. Saliento a cor da pele aqui, pois a narração gira muito
sobre princípios e preconceitos raciais americanos da primeira metade do século
passado, sendo este, também, um dos fatores que atribui culpa ao senhor Coffey
aos olhos do restante da população. Este, igualmente ganhou uma versão
cinematográfica de título homônimo em 1999, tendo Tom Hanks e Michael Clarke
Duncan nos papeis principais.
Enquanto lia Água para Elefantes,
senti que não estava apaixonado pela trama. Para mim, este é um daqueles livros
que somente ao final poderemos dizer se gostamos ou não do todo que ali
encerra. Diferente dos outros dois livros que citei, não estava nada ansioso pelos
flash-back que sustentam a trama e nos fazem querer conhecer mais e mais sobre
o passado de Jacob. Na verdade, o Jacob idoso me era mais interessante! Sua
percepção decepcionada de que a velhice é um fardo; suas vontades e desejos (e
aversões) sobre todos que o rodeavam; bem como sua posição decidida ao final de
que merecia, como todos os outros, velhos ou não, liberdade. Merecia poder
andar com as próprias pernas, se assim quisesse. Por este Jacob que eu ansiava.
Era sobre ele que minha atenção redobrava na leitura sempre que seus capítulos
surgiam (a narrativa intercala entre os capítulos cenas do presente e do
passado da protagonista).
Para mim, Água para Elefantes
é um livro que trata unicamente sobre a dor! Eram dores demais que circundavam
a personagem principal e que, mesmo diante dos momentos felizes, parecia restar
somente mais dor quando a curva seguinte na estrada era traçada. Talvez por
estar mais ligado ao “Jacob do presente” não tenha sentido o do passado tanto o
quanto este merecia. Não consegui senti verdadeiramente o sentimento de amor
entre este e a Elefanta, Rossie, quando esta surgiu, por exemplo.
Se houvesse uma continuação para este livro talvez eu não o lesse.
Talvez, apenas...
Se esta nova trama fosse tratada apenas sobre “o que acontece depois…”
com o Velho Jacob quando este encontra seu destino ao final de Água Para Elefantes, aí, sim, eu leria
com certeza. É sobre este Jacob que sinto curiosidade…
E sobre o que acontecerá…
Então, este é mais um livro que merece ser lido. Deve-se, sim,
conhecer o circo. Conhecer o que se esconde por baixo das lonas grossas, entre
pipocas
E risos;
E feras;
E medos.
Mas existe bem mais do que palhaços e animais sobre as camadas desta
vida forasteira. Água para Elefantes
retrata um contexto histórico real que nos apresenta uma época em que não se
tinha a TV nem a internet para se divertir.
Era quando a poeira se elevava ao longe...
E os trilhos já rangiam com a chegada da locomotiva trazendo o circo
para as pequenas cidades.
A lona alta inflada.
Os animais selvagens em jaulas de metal resistente.
O bater de marretas aprumando o picadeiro...
As luzes e refletores eram acesos, iluminando as tendas e as casas
vizinhas.
Era quando a multidão vinha…
Sentava…
Aguardava o abrir das cortinas…
Até que um homem de voz grave surgia…
Acenava…
Aprumava o microfone diante dos lábios, saudava a todos, e dizia
fazendo a voz retumbar entre as costuras do teto de pano que
“O Espetáculo do
Esquadrão Voador dos Irmãos Benzini, o Maior Espetáculo da Terra, irá começar…”
Confesso que nada nesse livro me interessa...de toda forma, excelente resenha, pra variar.
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