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Há, dos
céus, ao redor do mundo:
A queda
de quatro aviões ao mesmo tempo...
Três
crianças sobrevivem entre os destroços, uma em cada voo.
O mundo
antevê em suas figuras Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse
A
Peste, A Guerra, A Fome e A Morte assustam o mundo...
O que é
especulação?
O que é
verdade?
E onde
está a Quarta criança para fechar este ciclo de trevas que espreita ao longe?
O uso de elementos Bíblicos como pano de fundo para tramas existem aos montes na literatura e no cinema desde tempos em que nem se sabia ao certo que o que se fazia, viraria o que chamamos hoje de Elementos Literários de Composição. No entanto, o que muito se vê é o resgate literal do misticismo religioso sendo diretamente transcrito nos textos literários ou nas versões cinematográficas apenas como retrato de seu misticismo-fantástico (não existe necessariamente esta definição, porém é possível compreender ao que me refiro). Já em Os três, temos esta tomada religiosa, porém embasada apenas em especulações, e contextualizada naquilo que conhecemos como a Era da Mídia e do Entretenimento. Não se sabe se as personagens estão lidando com o Fim dos Tempos com a aproximação do tão temido Apocalipse, ou tudo não passa de suposição precipitada de algo que apenas aconteceu de modo horrível.
Em Os Três (2014), Sarah Lotz relata as
consequências perturbadoras sobre a humanidade de uma aparente coincidência:
quatro aviões caem simultaneamente em quatro pontos distintos pelo globo. Em
cada voo, todos os seus passageiros morrem com o impacto. Eis que o
inesperado acontece: entre os escombros de três destas aeronaves, três crianças surgem aparentemente
ilesas como sendo os únicos sobreviventes dos desastres! Um furor de agitação se espalha
entre os continentes banhando a ainda quente sensação de perda resultante desta
tragédia, marcando aquele dia como a Quinta-Feira Negra. As crianças, já recuperadas, regressam aos seus lares. Somente então
descobrimos que os destroços das aeronaves escondiam algo maior.
No voo
que caiu no Japão, quando sua queda era eminente, muitos dos passageiros
enviaram mensagens gravadas em seus telefones despedindo-se de seus parentes.
Então o avião cai. Mas, nisso, uma quarta sobrevivente, Pamela May Donald, quase morta, tem tempo de olhar o terror a sua
volta. Então esta pega seu celular... e deixa sua mensagem:
“O menino, vigiem o menino,
vigiem as pessoas mortas, ah, meu Deus, elas são tantas... Estão vindo me pegar
agora. Vamos todos embora logo. Todos nós. Pastor Len, avise eles que o menino,
não é para ele...”
Somente então ela não resiste aos
ferimentos e morre. Mas sua mensagem roda o mundo, até de encontrar os ouvidos do
pastor Len.
Quem seria este menino a ser vigiado?
Quem está vindo pegá-la?
E qual, afinal, é o perigo que este menino pode trazer?
Quem seria este menino a ser vigiado?
Quem está vindo pegá-la?
E qual, afinal, é o perigo que este menino pode trazer?
Em suas conjecturas, e especulando
sobre os outros dois acidentes aéreos e seus sobreviventes, o pastor associa:
no voo de Pamela Day, o garoto Hiro foi o sobrevivente... Logo, ele é quem precisa
ser vigiado...
Então a mirabolante associação é
feita e gritada por entre todos os canais de comunicação: As três crianças são
os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. A Peste, A Guerra, A Fome e a Morte.
Ou
O cavalo Branco, o Anti-Cristo;
O cavalo Vermelho, A Guerra;
O cavalo Preto, a Fome
O cavalo Amarelo, a
Morte.
Diversos argumentos são forjados
para corroborar com esta visão, como o destino das três crianças após o acidente:
O pai de Hiro é um premiado
criador de robótica avançada que crê que as máquinas serão como seres pensantes;
O passado da mãe de Bobby, morta
no acidente, é tomado como “irresponsável e amoral” enquanto seu avô retoma a
ciência, de modo milagroso, diante do esquecimento provocado pelo Alzheimer;
A garotinha Jess, orfã, acaba sob os cuidados de seu tio homossexual.
Para os líderes religiosos, este é
um prato cheio, afinal, para eles,
“o mal será plantado nas camadas mais errôneas
da humanidade”.
Mas, as especulações surgem:
Onde está a quarta criança?
As
investigações apontam não haver sobreviventes no quarto voo... Mas, será mesmo
que não houve?
Há então o terror se apoderando do
mundo.
Os crentes temem o juízo final...
Os fanáticos perseguem as crianças...
E a imprensa? Essa filma o show de horrores em que o mundo mergulhou.
Os crentes temem o juízo final...
Os fanáticos perseguem as crianças...
E a imprensa? Essa filma o show de horrores em que o mundo mergulhou.
Os Três é um livro de relatos. Temos
como narradora personagem a jornalista investigativa Elspeth Martins. Por sua
perspectiva, os fatos apontados já aconteceram, no entanto a “verdade precisa
ser dita”. Então, toda a trama do livro se desenrola através de relatos,
transcrições, trechos de e-mails e matérias de jornais, bate-papo, etc,
assemelhando-se ao estilo de um documentário,sugerindo e tudo a construção de um quebra-cabeça gigantesco, onde, a cada nova peça, o elo se constrói para um final que surpreende. Contudo, de uma coisa temos certeza logo nos
primeiros relatos: alguém fez alguma coisa monstruosa às três crianças após o furor provocado pela mídia e os fanáticos religiosos. Cabe a
nós, leitores, montar este jogo e esperar que Elspeth nos conte afinal.
O livro é dividido em três partes:
Queda, Conspiração e Sobreviventes, intercalando-se em capítulos dispostos que
nos entregam migalhas desta grande fatia de bolo.
A narrativa acaba se mostrando algo
assustadora, não necessariamente por apresentar tomadas sobrenaturais (apesar de que, em alguns momentos, não sabemos se o que é transcrito pelas testemunhas é resultante de um misto de medo e terror ou se realmente existe uma força
misteriosa agindo sobre aquelas crianças), mas sim por nos mostrar o qual
frágil é a mente humana diante do pavor de visualizar seu próprio fim. O quão frio podemos ser quando temos a “certeza” de que iremos perder tudo. E, pior
ainda, o quão hipócritas nossas verdades se tornam, mesmo quando a morte se
aproxima.
Sempre busco ler qualquer coisa
que Stephen King elogie, por justamente saber quais pontos o levou a elogiar
determinadas construções narrativas. Na contracapa deste, ele diz:
“Os Três é um livro maravilhoso,
uma mistura de Michael Crichton com Shirley Jackson. Muito Inteligente,
impossível parar de ler.”
Achei este um livro imensamente
bem construído, bem escrito. Torna-se complicado em uma trama “comum” dar vida
a suas personagens através de seus discursos e ações... Quando se tem uma trama
que, a cada virar de página, nos deparamos com outra personagem nova e que
devemos reconhece-la apenas por suas palavras, é duplamente problemático e de
fácil queda cair sobre a sensação de confusão sobre “quem disse o quê”. Neste,
no entanto, Sarah Lotz mostrou o engajamento de uma boa escrita e a proporção
alcançada por uma boa pesquisa de campo antes e durante o processo e escrita.
Contudo…
Este tem, TAMBÉM, seus pontos
negativos!
Quando chegamos na penúltima parte,
vemos que os relatos caminham continuamente e se aproximam de fato de um fim...
Então esta parte termina... E a jornalista diz que algo ficou de fora e que
precisa ser dito...
E, na parte seguinte, ela repete
EXATAMENTE tudo o que disse na parte anterior. TUDO!
TUDO!
TUDO!!!!!!!
Por diversos segundos achei ter
sido erro de impressão que acabou repetindo a parte inteira em meu exemplar.
Palavra por palavra!
Frase por frase!
Capítulo por capitulo!
Pulei!
Não li!
Quando constatei a intensão da jornalista,
de nos apresentar as alterações sutis feitas por sua editora quando lhe
apresentou inicialmente os relatos finais e vi que apenas poucas expressões
haviam sido alteradas, fiquei irado... Com raiva mesmo! Não iria reler tudo
aquilo novamente.
Então PULEI!
E cheguei a parte final.
Aqui tive outra dificuldade.
Veja: o livro inteiro é narrado em
primeira pessoa (a jornalista Elspeth Martins) e você acaba seguindo uma
sensação de comodismo quando se acostuma com isso. Porém, na parte final temos
uma narração em terceira pessoa com a focalização SOBRE a jornalista e isso me
incomodou. Não é necessariamente algo que atrapalhe a leitura. É mais como uma
chateação minha como leitor que gosta que padrões sigam.
Li diversas críticas que dizem que
a autora “estragou o suspense ao final”. No entanto, creio que ela deu uma
resposta bem plausível aos fatos. E é isso que o torna melhor: ela respondeu.
Você gostando ou não, mas ela respondeu.
Lembrou-me demais o filme Presságio
(2009), com Nicholas Cage como protagonista. A sensação de que há algo a mais. Algo
além...
Algo que, citando Shakespeare,
“Há
mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa
imaginar”.
funciona bem para definir os conceitos que aprendemos ao longo de toda a nossa vida, mas que Sarah Lotz não tem o menor medo em desfazer.
funciona bem para definir os conceitos que aprendemos ao longo de toda a nossa vida, mas que Sarah Lotz não tem o menor medo em desfazer.
Extra:
Nem todos os livros que leio deixam marcas em mim. Posso recordar de seus enredos, personagens, situações particulares, ou, até mesmo, uma frase dita para provocar um impacto pretendido. Nesse, algo, contudo, marcou de modo forte. Talvez pelas situações em que vivi durante a leitura, acontece que o poema de W. H. Arden, lido por uma das personagens durante uma das cerimônias aos que perderam a vida nos desastres, reverberou em mim intensamente.
PAREM TODOS OS RELÓGIOS
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cachorro com seu osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto chore.
Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem Ele Está Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os guardas de trânsito usem luvas pretas de algodão.
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
Minha semana útil e meu domingo inerte,
Meu meio-dia, minha meia-noite, minha canção, meu papo,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.
As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar.
Ele, sim, marcou!
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