“Este livro é curto porque a maioria das obras sobre a escrita está
cheia de baboseiras.”
Assim Stephen King dá abertura ao seu texto
em Sobre
a Escrita (2015), publicado pela Suma Editora no Brasil. Neste livro,
King, em meio aos devaneios sobre como e de onde surgiu seu interesse pela
escrita (passagem mais do que interessante!), decide falar sobre o processo
criativo e aquilo que ele considera relevante em um texto ficcional.
Ao longo da narrativa,
encontramos momentos em que ele relata fontes de inspiração para alguns de seus
títulos, como seu período escolar onde fez parte do grupo de alunos que
atormentavam uma aluna, dando origem a Carrie,
a estranha (p. 71). Bem como seu problema com o álcool, semelhante a Jack
Torrance, de O iluminado (p. 83). A
relação de enfermeiras em sua vida que resultaram na psicopatia da enfermeira
Annie Wilkes de Misery – Louca Obsessão (p.87), ou os motivos que o fizeram esquecer
tudo sobre o período em que escreveu Cão
raivoso (p. 91)
Longe de se achar
pretencioso no quesito “Dizer a alguém como fazer o certo”, Stephen King elenca
diversos conselhos ao longo do texto. Durante minha leitura, marquei diversas
passagens onde ele apresentava uma destas informações (a imagem acima é o
resultado do livro ao final de minha leitura!) que listarei a seguir:
1 – Não existe um depósito de ideias
Como força propulsora
que aquece a mente curiosa do mundo diante de alguém que conseguiu sucesso
escrevendo, sempre surge a pergunta que exige uma resposta precisa e objetiva
sobre algo tão abstrato e, muitas vezes, sem possibilidade de explicação. “… as ideias para boas histórias parecem
vir, quase literalmente, de lugar nenhum, navegando até você direto do vazio do
céu: das ideias que, até então, não tinham qualquer relação, se juntam e viram
algo novo sob o sol.” (p. 36), diz King. Os elementos que funcionarão como
referencial em sua escrita (e para ela!) partirão daquilo que você vivencia,
ou, como o autor cita em diversos momentos do livro, de situações peculiares e
comuns do cotidiano que terminam por, em determinando momento, e por algum
motivo, chamando sua atenção.
A mente humana possui
a bela metáfora da fagulha que, consumindo o pavio, direciona-se ao encontro da
pólvora e do cabum da explosão.
Contudo, necessita que esta chama seja acesa. Diariamente confrontamos
situações que parecem, por algum motivo, despertar ideias, lembranças e fatos
que se interligam, seja algo que você viveu em sua infância, seja o último
comercial visto antes deste texto. Tudo vira referência! Para um escritor, são
destas ligações que surgem as tramas.
2 – Não se envergonhe do que escreve
“Se você escreve (pinta, dança, esculpe ou canta, imagine
eu), alguém vai tentar fazer com que você se sinta mal com isso, pode ter
certeza.” (P. 46). Independente
da temática escolhido por você, sempre aparecerá alguém para apontar, persuadí-lo a não escrever sobre determinadas questões ou utilizar alguma abordagem ou aspecto de construção que essa considera “ruim”. Não desista!
Críticas surgem o tempo todo. Agora, você não pode manter a opinião alheia como
base para escrever e dar continuidade aquilo que você considera como verdade.
3 – Tenha alguém que acredita naquilo que você faz
Seja esse alguém o seu
melhor amigo, um parente, um professor, mas sempre busque apoio naquelas
pessoas que o incentivem a continuar o trabalho de escrever. “Ter alguém que acredita em você faz toda a
diferença. Eles não precisam fazer discursos mativacionais. Basta acreditar” (P.
68). Para Stephen King, Tabitha King, sua esposa, era, tanto aquela que
mais o incentivou durante todo o processo de construção e revisão de seus livros, como também era a sua Leitora Ideal. Aquela para quem ele escrevia
quando pensava em possíveis plots ou mudanças no enredo que pudessem lhe causar
expressões de satisfação, choque e alegria. King tem em Tabby o elo que lhe dar
forças a seguir no rumo certo quando se dirige caneta e papel.
4 – A escrita é sempre melhor quando é íntima
Procure escrever sobre
coisas que você tenha conhecimento (caso contrário, uma pesquisa para
aprofundar os assuntos, tanto conhecidos quanto desconhecidos, sempre é
bem-vinda). Lógico que, quando se escrever ficção, pode-se partir por um
caminho de se criar, inventar o que pretende expor. No entanto, tal ação pode
resultar na quebra da verossimilhança tão perseguida e que mantem o leitor
familiarizado com as personagens e situações expostas. King exemplifica sua
sensação durante a escrita de Carrie, a
estranha. A história não parecia
mexer com ele, isso se devia também ao seu desconforto em escrever sobre
situações comuns ao tido universo feminino. “O terceiro problema é que não estava
confortável com o cenário, nem com o elenco totalmente feminino”; “Com Carrie,
a estranha, era como se eu estivesse metido em uma roupa de mergulho que não
conseguia tirar.” (p. 70). O que contribuiu para que as ações em Carrie não
soassem fajutas foi justamente a contribuição da esposa sobre aquilo que ele
não compreendia.
5 – Parar uma história é uma péssima ideia.
Se começou, continue!
Esse ponto diz muito sobre acreditar naquilo que se escrever. Uma escrita
constante evita também que se perca o interesse pela própria história. “parar uma história só porque ela é
emocional ou criativamente custosa é uma péssima ideia. Às vezes é preciso
perseverar, mesmo quando não se tem vontade, e às vezes você está fazendo um
bom trabalho mesmo quando parece estar sentado escavando merda.” (p. 71)
6 – Vocabulário
King utiliza a
metáfora de que todo autor deve organizar os elementos que serão úteis em sua escrita como os compartimentos de uma caixa de ferramentas. Nela, o
vocabulário deve está mais que presente. “Coloque
seu vocabulário na primeira bandeja de sua caixa de ferramentas.” (p.104).
7 – Não enfeite o vocabulário
Não busque florear sua
narrativa somente porque o seu autor favorito escreve de modo rebuscado. “Fazer isso é como enfeitar seu animal de
estimação com roupas sociais. O bichinho fica morrendo de vergonha, e a pessoa
que comete esse ato de fofurice premeditada deveria ficar ainda mais.” (p. 104).
“Enfeitas” a história diz mais sobre a realidade das personagens, do que o
efeito que se pretende dar ao que foi escrito. Portanto, seja sincero sobre o
diálogo de suas criações".
8 – Evite usar a voz passiva no texto
“Com a voz passiva, algo está sendo feito ao sujeito da
frase. O sujeito só está deixando acontecer.” (p. 109). Em uma construção narrativa focada
nas ações de uma personagem principal ou ser, espera-se que os atos cometidos por
ela sejam maiores do que cometidos com ela. Isso contribui com a
sensação de que a história segue graças ao seu protagonista.
9 – O Advérbio não é seu amigo
“Com os advérbios, o escritor nos diz que tem medo de não se
expressar com clareza, de não conseguir passar a mensagem.” (p. 110). A utilização de advérbio mais parece
uma tentativa constante em ser entendido, desfavorecendo a própria narrativa e
sucessão dos fatos como elementos capazes de expor o que está acontecendo.
10 – Jamais escreva com medo do que dirá
Palavrões, gírias, expressões idiomáticas e desvios
gramaticais existem na língua como forma de particularizar o que foi dito e
atribuir legitimidade ao falante e aquilo que foi dito. Então, se você busca
ser crível, verdadeiro em seus diálogos, não tema utilizar um destes (ou todos)
para dar vida ao texto. Procure entender sua personagem. Se ela xinga, pois
para ela esse é o melhor meio de expor o que pensa, então xingue. Não tema o
que dirão de seu texto. Prefira ser criticado por ter escrito um palavrão do
que por dizerem que suas personagens não possuem vida, estão mortas sobre o
papel. “Estou convencido de que o medo é a raiz de toda má escrita.” (p. 113)
11 – Leia muito/Escreva muito
“Se você quer ser escritor, existem duas coisas a fazer,
acima de todas as outras: ler muito e escrever muito. Que eu saiba, não há como
fugir dessas duas coisas, não há atalho.” (p. 126). A leitura constante contribui tanto
na construção do vocabulário quanto na análise e criação de outros escritos.
Somente assim você saberá como quer que sua história viva.
12 – Não escreva um enredo pré-estabelecido
Enredos aprisionam o autor entre as palavras,
onde este passa a se preocupar mais em seguir um script ou se incluiu tal
informação no capítulo 17. King sugere que apenas siga o curso dos fatos. Deixe
que as personagens decidam para onde querem ir diante dos acontecimentos. O
autor é o primeiro leitor de sua própria história. Ele também precisa se
surpreender e se emocionar com o que surge. “O
enredo é, penso eu, o último recurso do bom escritor e a primeira escolha do
idiota. A história advinda do enredo está propensa a ser artificial e dura.” (p.
142)
13 – Sobre a descrição
“A descrição pobre deixa o leitor confuso e míope. A
descrição exagerada o enterra em detalhes e imagens. O truque é encontrar um
bom meio-termo. Também é importante saber o
que descrever e o que deixar de lado enquanto você se encontra no trabalho
principal, que é contar uma história.” (p. 150). O fazer criativo passa muito sobre a
necessidade em ser mais claro sobre o que se escreve. Muitas vezes o autor quer
construir no texto em palavras a exata imagem que virtualiza em sua mente,
pecando no excesso de descrição. King aconselha a focar apenas no essencial. Não
diga tudo ao leitor. Deixe que este sinta também o prazer de construir as
próprias imagens após ler as palavras, complementando os espaços não ditos com
sua imaginação.
14 – Reveja a história quando concluída
“Se, no entanto, você é iniciante, siga meu conselho e faça a
história passar por pelo menos duas versões, a que você faz com a porta do
escritório fechada e a que você faz com a porta aberta.” (p. 179). A releitura
funciona como diversos pontos positivos ao texto. Nela, o criador pode excluir,
incluir, apagar e reescrever passagens, modificando-as e melhorando-as para o
leitor. Quanto também facilita o trabalho dos corretores e editores ao
encontrarem um texto objetivo e preciso. Ao final, seu texto deve seguir a fórmula (2ª versão =
1ª versão – 10%), onde a segunda versão do seu texto deve eliminar diversos
pontos que possam ser desnecessários ao que se quer dizer.
Obviamente o livro e
as dicas do “Rei” vão além destas. Sobre a escrita mostrou-se um livro
imensamente prazeroso de se ler e com uma leitura leve (não esperaria algo
diferente dele) que merece ser lido de novo e de novo e de novo. King sempre merece…
Por Luvanor N. ALves
Já tinha visto resenhas sobre esse livro. Mas de todas que eu li, você foi quem melhor sintetizou.
ResponderExcluirAbraços!!
Owhn, Fernando!! Brigadão!!!
ResponderExcluirGostei demais lê-lo! Recomendo.