CAIXA DE PÁSSAROS, de Josh Malerman

Há, nos E.U.A
... O medo de olhar por entre as cortinas;
... Sobreviventes habitando uma casa em meio à escuridão;
Duas mulheres grávidas esperando "a luz"

... E a certeza, enquanto descem, vendados, um rio, que é melhor não abrir os olhos. 

Com a virada do século há alguns anos, o universo editorial abriu espaço cada vez maior à literatura diversificada e, claramente, direcionada apenas ao entretenimento. Percebe-se este fator graças a enredos cada vez mais fechados (e repetitivos com o tempo) e narrativas rápidas focadas em uma conversação dinâmica e mais realista entre suas personagens. Isso possibilitou o grande aumento de leitores mais interessados nestas escritas "mais fáceis"de se ler e, principalmente, compreender.
Não necessariamente encaixando-se neste quesito de "literatura rápida", J. K. Rowling construiu um dos universos literários mais empolgantes, lindos e vívidos que já tive o prazer em ler. Harry Potter deu abertura para imaginar e recriar um misticismo contextual em função de um enredo original. Visto isso, o mundo abriu espaço à novos escritores que se dedicavam a criar espaços épicos e lendários, baseando-se na luta de seus protagonistas contra forças sobrenaturais, mas tendo como temática o princípio de superação e conquista de valores como amizade e respeito. Semelhante a Sísifo da mitologia Grega rolando sua pedra com o objetivo de alcançar o topo da montanha, o herói pode agora chegar lá em cima e continuar vivendo.
Assim, o cinema embarcou na prática da releitura de obras da literatura que caminham por este espaço, como O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, bem como As Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis. No entanto, o universo maravilhoso de conquista e vitória adentrou o lado catastrófico; buscou conhecer o que restaria de vida após o fim do "paraíso perfeito". Então, novos enredos surgiram, trabalhando com a visão pós-apocalíptica. A literatura, ao longo de sua história, está repleta de obras focadas nesta questão. O Último Homem (1926), de Mary Shelley, The Drowned World (1962), de J. G. Ballard,  A Dança da Morte (1978), do grande Stephen King, ou, até mesmo, a HQ The Walking Dead (2003), escritas por Robert Kirkman, são alguns exemplos.
Em seu livro de estreia, Josh Malerman mergulha em um mundo devastado por algo que, literalmente, não se deve olhar. Caixa de Pássaros (2014) tem como perspectiva a visão de Malorie partindo em fuga de casa levando duas crianças vendadas em direção ao rio. Quatros anos se passaram desde que algo desconhecido tomou o mundo, fazendo com que pessoas que vissem esta "coisa" caíssem na mais profunda insanidade, levando-as a cometerem atos violentos contra os outros e a si mesmo, levando-as ao suicídio em meio à loucura. Desde o princípio Malorie teme abrir os olhos. Dirigindo às cegas e, em seguida, tateando as paredes ela encontra uma casa com sobreviventes que a deixam entrar. Ali, a personagem conhece outros que irão contribuir para reescrever sua nova personalidade diante do novo mundo em que vivem. 

"É um blecaute, pensa Malorie. O mundo, o exterior, está sendo desligado."

Durante a leitura, muitas coisas me incomodaram. 
O livro segue intercalando os capítulos. Ora temos Malorie seguindo a correnteza do rio com as crianças, ora regressamos quatro anos no tempo e vemos a interação dela com os outros moradores na casa. Quando bem construída, esta artimanha narrativa contribui, e muito, para se manter a tensão do leitor sobre aquilo que se lê. No entanto, cada vez que o narrador realizava este corte, me entediava. Tive vontade de parar em diversos momentos por achar irritantes os questionamentos da protagonista nos momentos "Malorie-segue-o-rio"
Quanto a construção das personagens, achei problemática. Veja: na casa diversas pessoas convivem com Malorie. E, quando estava na página 100, ainda não sabia diferenciar quem era quem. Não sabia nem quantos estavam ali com ela. Existem certos cuidados que um autor deve ter durante a criação de suas personagens. 

1 - Deve-se atribuir características que as diferenciem. Não se trata de tornar aquela uma personagem inesquecível (Se conseguir isso, ótimo!), mas devemos lembrar dela por algum detalhe. Só fui perceber que Julles (que é um homem, perceba que até nisso me confundi) era a personagem dona do cachorro Victor lá pelas páginas 150. 
2 - Cuidado com o nome das personagens. Se você já não consegue diferenciá-las muito bem, dar-lhes nomes como "Tom" e "Dom" não vai ajudar em nada, como Malerman fez.  

Não penso que este seja um problema de principiante.  Creio que se trata mais sobre o que você quer com sua escrita. Ou você se preocupa em contar sua história, ou, então, se preocupa em fazer com que ela seja entendida. Penso que Malerman seguiu a primeira ideia. 
No entanto, não consegui, até o final do livro, entender como as pessoas chegaram a dedução de que o que causava os surtos psicóticos era algo que as pessoas viam. Como o restante do mundo deduziu que era algo visto, sendo que, quem via, enlouquecia, matava quem estava próximo e se matava em seguida? COMO OUTRO ALGUÉM DEDUZIU QUE O QUE PROVOCOU O SUICÍDIO FOI ALGO QUE FOI VISTO? COMO? COMO? Ao final, a falta de explicação sobre este ponto se torna apenas um furo conveniente ao autor e sua história. 
Outro fator que me desagradou foi os momentos em que Malorie "treina" as crianças a melhor captarem os sons. Ela vendava as crianças e andava por entre os cômodos da casa, realizando diversos ruídos, com o objetivo de fazer com que elas soubessem intuir a direção de onde partia o som e o que o provocava. Em dado momento da narrativa, enquanto o garoto descreve o que ouviu, temos:

"Você sentou na cadeira no meio da cozinha. Pôs os cotovelos na mesa. Pigarreou e entrou no porão. Subiu os quatro primeiros degraus mais devagar do que os últimos seis. Bateu o dedo nos dentes." 
pág. 104

Pronto! Neste "bateu o dedo nos dentes" eu parei. Como? Qual o som que isso provoca? E como é possível ouvir este som de outro espaço? Entendo que é possível ampliar determinada zona sensorial com base em estímulos, mas não a este ponto. Isso fere a verossimilhança de uma história. A não ser que estejamos falando de uma aula rotineira dos X-Men no Instituto Xavier para Jovens Superdotados. 
E o final...
Ah, esse final...
Doeu! 
A chance de consertar os erros estava ali, mas... 
Malerman chutou tudo! 
A ideia base lembrou-me muito Ensaio sobre a Cegueira (1995), do português José Saramago. A impossibilidade de ver e o medo que circunda justamente esta ideia. O quanto somos sensorialmente instáveis, tanto por não possuirmos os outros sentidos bem desenvolvidos em momentos de caos, quanto por termos nossas mentes regadas por plantações vastas de medos e imagens aterrorizantes que nos levam ao horror simplesmente por não termos controle de nossos pensamentos. 
No entanto, a ideia centrada em Caixa de Pássaros é perfeita. O texto na contra capa chamou minha atenção de imediato a ponto de comprá-lo sem vontade de interagir com outras opções na livraria. 
No Skoob, a pontuação do livro está de 4,2 para 5. Porém, não vejo como dar algo além de 2,5. Este ano, a Universal Estúdios comprou os direitos da obra para adaptá-la aos cinemas. O filme será dirigido por Andrés Muschietti (Mama) e terá o roteiro escrito por Eric Heisserer (Premonição 5 e A Coisa). Com isso, esperamos que o tema Thriller Psicológico seja melhor construído nas telonas, tapando os diversos furos deixados pelo autor.
Às vezes o cinema faz isso...
Às vezes o cinema consegue melhorar uma obra que tinha muito para dar certo...

Por Luvanor N. Alves

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1 comentários:

  1. O final foi bem ruinzinho, estragou toda a ideia do livro, que era boa, mas foi mal aproveitada.

    http://desbravandolivros.blogspot.com/2015/03/resenha-caixa-de-passaros-josh-malerman.html

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