FANTASMAS DO SÉC. XX, de Joe Hill

 Há, nos E.U.A
Um garoto que foi sequestrado...
Um feito de plástico...
Um renascido como um Gafanhoto...

E o que Joe Hill tem de melhor!

O ato de escrever já contém em si uma carga de complexidade. Escrever é, basicamente, abrir sua mente aos olhos alheios, como um baú empoeirado no sótão sendo destrancado depois de Eras, revelando horrores e verdades camufladas. No âmbito da escrita em prosa, dentre os gêneros mais comuns, destaco o Conto como o mais complicado de se escrever. Ter uma história grandiosa na cabeça e contá-la, fazendo uso de poucas palavras como único recurso, requer habilidade, poder de observação e sutileza para conseguir chegar ao ponto certo nas zonas sensociais do leitor.
Joe Hill tornou-se uma grandiosa surpresa neste parâmetro. Filho de Stephen King, ganhou reconhecimento por seu talento peculiar que, apesar de também permear o universo do horror como seu pai, possue uma carga particular e expressiva na escrita.
Autor de quatro romances (os três primeiros já resenhados pelo Marcador Expresso) – A Estrada da Noite (2007), O Pacto (2010), Nosferatu (2014) e Fireman (ainda inédito no Brasil). –, Hill inicialmente conquistou o público e elogios merecidos da crítica literária por seus contos recheados de cenas que jamais pensamos imaginar, conferindo-lhe diversas premiações, incluindo dois Bram Stoker, o mais cobiçado e importante prêmio da Literatura de Horror.

Joe Hill
Em Fantasmas do Século XX (2005), temos a melhor coletánea de contos de Hill, onde o choque, a esperança, o abandono, a inquietação e grandes doses de horror estão reunidos ao longo de incríveis 17 contos que nos fazem crer que, o Mal, tomando forma, possue uma carranca séria e o sorriso de desdem e dentes afiados sobre os lábios.
A seguir, apresento-lhes uma prévia de cada conto.

1 - O MELHOR DO NOVO HORROR
De início, somos apresentados a Eddie Carroll, um editor de coletâneas literárias que, como profissão, passa seus dias lendo dezenas de contos de diversos autores, conhecidos ou não do público, a fim de selecionar os favoritos para reuní-los em próximas publicações. Apesar de ser essa a profissão dos sonhos de todo apaixonado por livros, logo percebemos que, para ele, o trabalho se torna pedante e cansativo, em vista dos inúmeros textos ruins que se vê obrigado a ler. 
No entanto, tudo mundo quando este lê algo que o choca no conto “ButtonBoy”. Repleto de horror e uma crueldade incomum – e original! –, o conto de Peter Kilrue mexe com Carroll pela precisão do que foi narrado. O Editor, então, decide ir em busca do autor daquela obra única. O que encontra, contudo, faz com que este se arrependa pelo resto de vida. Caso consiga ter alguma mais depois do que virá...

2 - FANTASMAS DO SÉCULO XX
No conto que dá título ao livro, conhecemos a história de esquecimento do velho cinema Rosehud e do fantasma que ali habita entre as sessões.

“A melhor hora para vê-la é quando a sala está quase lotada. Há uma história conhecida de um homem que vai a uma sessão noturna e encontra a enorme sala de cinema, com 600 lugares, praticamente deserta. No meio do filme, olha em volta e a vê sentada ao seu lado, em um lugar que segundos antes estava vazio. Ele olha para ela. Ela vira a cabeça e retribui o olhar. O nariz dela está sangrando. Seus olhos estão arregalados, assustados.
- Minha cabeça dói – sussurra ela. – Preciso sair um pouco. Você me conta o que eu perder?” (p. 36)

Entre inúmeras outras aparições, a narração nos inqueita quando começamos a nos questionar: 
O QUE O FANTASMA DE IMOGENE GILCHRIST QUER DE CADA UM QUANDO APARECE? 

3 - POP ART
Um dos contos mais surreais que tive o prazer de ler, Pop Art narra a amizade entre um garoto e seu amigo inflável.

“Quanto eu tinha 12 anos, meu melhor amigo era inflável. Seu nome era Arthur Roth, o que significa que, além de ser inflável, ele também era judeu, embora durante nossas eventuais conversas sobre vida após a morte eu não me lembre de ele ter defendido nenhum ponto de vista especificamente judáico.” (p. 56).

Diferente dos anteriores, este apresenta o elemento realismo-fantástico que nos impede de questionar os fatos que se seguem na narrativa, inclusive o seu desfecho perfeito. 

4 - VOCÊS IRÃO OUVIR O CANTO DO GAFANHOTO
Semelhante ao que aconteceu com Gregor Samsa, em A Matamorfose (1915), de Kafka, aqui conhecemos Francis Kay, um garoto que acorda "de seus sonhos que não eram angustiados, mas exultantes", descobrindo que tinha virado um inseto.
Primeira personagem gay que encontro nos escritos de Hill,o garoto trava uma peregrinação em direção ao único porto que considera seguro: o olhar do rapaz que este gosta.
Nesta busca (e em seu encontro), entendemos que a metamorfose sofrida por ele não se centraliza somente em si. Todos se metamorfoseiam, armando-se de asco e armas bem calibradas. 
Em seu desfecho, entendemos que, o bramir do canto do gafanhoto (que dá título ao conto), possue significação mais profunda, como um heroi despencando, aos prantos, em direção ao fundo de sua alma empoeirada. 
 5 - OS MENINOS DE ABRAHAM
Maximilian tem como função cuidar de seu irmão caçula, Rudolf. Mas, em meio aos dias em que passam brincando - ocultos dos olhos duros de seu pai. -, ambos encontram, escondido dentro da maleta de seu pai (da qual nunca deveriam abrir) guardada no escritório (do qual JAMAIS deveriam entrar!) estacas afiadíssimas de madeira. Ambos em choque diante do achado, mal percebem que o pai está logo ali... parado... encarando-os com seu olhar perfurador!
O que se segue ( e a verdade que conhecemos) infla nossos corações ao sabermos que estamos diante da crianção de uma das mais lendárias figuras do mistiscismo e do Sobrenatural.

6 - MELHOR DO QUE LÁ EM CASA

Este é um conto de dor. De alguém que quer muito falar algo, desabafar, mas não encontra, nem as palavras corretas, nem o momento certo para dizê-las. O protagonista é um grande enigma; uma incógnita para sua família e para o leitor. À medida que a narrativa segue, os caminhos dele são cenas estáticas, um grande quebra-cabeça do qual não sabemos as consequências... até que estas chegam...


Fico olhando para o rosto do homem e, como nas histórias em quadrinhos, estrou tremendo de terror. Um leve movimento atrai meu olhar. Vejo uma mosca andando por seu lábio superior. O corpo da mosca cintila como metal. O inseto para no canto de sua boca, depois entra lá e desaparece, e ele não acorda.” (p. 119)


Quando achei que os enigmas terminariam, o desfecho me deixou imensamente emocionado. Quando pensei que tinha diante de mim um conto do qual não gostei, Joe Hill me aprisiona em uma cena emocionante, forte... sincera sobre o amor e o quanto sofremos por vemos que nossas vidas estão ausentes de momentos como aquele.


7 - O TELEFONE PRETO 
John Finney tem 13 anos e adorava refrigerante de uva. Seu gosto é quase uma obsessão, para bem dizer. Então Finney encontra Albert saindo do mercado com os braços abarrotados de sacolas. Até que tudo despenca, quando Al deixa cair as sacolas no chão após se assusta com a quantidade de balões negros que irrompem de dentro de seu carro, descendo a rua e ganhando o mundo.

Ao tentar ajudá-lo, Finney não esperava o que aconteceria quando o homem lança uma rajada de espuma branca em seus olhos para cegá-lo.

Então...

“Al segurou-o pela nuca e começou a empurrá-lo para a frente, para dentro da caminhonete (…). O gordo segurava um chumaço de seus cabelos em uma das mãos e a outra estava pousada entre as pernas de Finney, suspendendo-o pela virilha. A parte interna do braço de Al roçou em sua bochecha. Finney virou a cabeça e mordeu um bocado de carne flácida, apertando até sentir gosto de sangue” 


O que acontece a partir dai – e como o Telefone Preto é inserida na narrativa – transformou “O Telefone Preto” em outro dos favoritos.


8 - ENCURRALADO
Wyatt é o tipo despresível que não tem papas na língua quando o assunto é ser originalmente grosseiro.  Quando, como resultado de uma de suas "expressões peculiares", encontra-se demitido. No caminho de volta para casa, enquando cruza à pé uma espécie de bosque, deparasse, ao final de um barranco, uma caminhonete chocada contra uma árvore.
O que vê dentro...
no banco do passageiro...
...E no da motorista...
Promente comprover os dizeres de que é possível, sim, estar "no lugar errado, na hora errada"...
Para Wyatt - e para seu caráter duvidoso e desbocado. - poderão ser a tábua final de julgamento. Afinal, não existirá ninguém que defenda "caras assim"... 

9 - A CAPA
Como a epopeia trágica de um homem que vê sua vida destroçada graça apenas a uma única ação mal tomada entre os galhos de uma árvore quando criança, A Capa nos mostra que nenhum poder do mundo, por mais grandioso que este seja, é capas de fundir entre sua estrutura um heroi, se este não possuir em si as virtudes necessárias para feitos positivos.
Sem elas, o protagonista desta história é apenas um homem cozinhando ideias ruins dentro de si. Uma panela borbulhante que, tampada, ameaça explodir. 

10 - ÚLTIMO SUSPIRO

Alinger possue uma coleção peculiar: em frascos vazios, ermeticamente fechados à vácuo, tendo um “mortoscópio ligados à fones em uma das estremidades, ele guarda últimos suspiros! Com um mecanismo engenhoso, revela ser capaz de aprisionar o último suspiro, a última réstia de silêncio peculiar que se deixa antes de morrer.
Agora, dono de uma coleção com mais de 100 exemplares, ele, com seus 80 anos e 2 metros de altura, abrirá as portas de seu museu de Últimos Suspiros ao público.
Resta-nos saber – após serem abertas as portas, ouvidos os suspiros e o que estes têm a nos dizer – se Alinger sabe, por baixo de suas expressões taciturnas, as consequências que seus suspiros podem trazer a quem os ouvir.

11 - MADEIRA MORTA
Neste entendemos – para aqueles que são apaixonados pelas possibilidades que a palavra escrita pode alcançar – que é possível existir poesia em um conto. O narrador, alguém que nos relata os segredos existentes na antiga morada de árvores derrubadas, árvores que deixaram algo ali, demarcando suas existências extraídas de si mesmas, por mais mais brutais e violentos que tenham sido suas despedidas.
Em Madeira Morta existe uma mensagem maior por trás...
Quando você a entender (e espero com todas as forças que descubra!), verá que o amor possui caminhos particulares para dizer que, mesmo em meio a dor, a ausência, ele ainda existe. 

12 - O DESJEJUM DA VIÚVA 
Qual o momento em que descobrimos que nossas ações possuem consequências? Qual o justo momento, o justo instante, em que você reconhece que aquela ação, aquele palavra que você disse, foi a desencadeadora de tudo o que acontecerá depois?
Aqui conhecemos Killian logo após se separar do corpo de seu amigo, Gage, sobre cobertas aos pés de um regato. Andarilho, com pés cansados e vestes judiadas pelo uso e o tempo, Killian toma A Escolha que o fará entender que nunca podemos dizer que vivemos e conhecemos o suficiente deste mundo.
…É quando a mulher e as duas meninas no jardim surgem com algo para lhe contar…

13 - BOBBY CONROY VOLTA DOS MORTOS
A narrativa acontece em 1980, em um shopping, na cidade americana de Monroeville. Em "cena", percebemos que a mesma ocorre durante as filmagens de um dos clássicos do terror, Desperta dos Mortos (Dawn of the Dead), do grandioso diretor do gênero, George Romero.
Conhecemos Bobby sendo um dos atores que participaração como figurantes do filme, misturando-se entre outros igualmente vestidos como mortos-vivos recém-saídos de seus túmulos.
É quando Hill mostra-nos que "os zumbis também possuem amores avassaladores em suas "outras vidas". 

14 - A MÁSCARA DE MEU PAI
Bem como o mergulho dado por Alice, perdendo-se no interior da toca do Coelho Branco, em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, o garoto deste conto emaranha-se pelo interior de uma floresta, tendo que jogar um jogo onde somente uma pessoa conhece as regras, enquanto seus pais e ele estão em fuga de, como diz sua mãe, das... 

" pessoas em forma de cartas de baralho (...). Reis e rainhas. Tão finas que são capazes de passar por debaixo das portas, Eles virão da direção do lago, procurando pela gente. Tentando pegar a gente." (p.231)


15 - INTERNAÇÃO VOLUNTÁRIA
Nolan possui um irmão que gosta de construir túneis no porão usando caixas de papelão. Imensos túneis que dão voltas e mais voltas. Grandes gargantas de bocarras abertas e escuras, capazes de guardas segredos que nem mesmo o jovem Nolan consegue entender.
Contudo, isso tudo aconteceu no passado. Agora, já adulto, ele vem a nós desabafar em uma carta: Nolan quer nos contar o que ele sabe sobre Edward Frior e o que aconteceu com os três em um dia de outubro de 1977.

16 - A MÁQUINA DE ESCREVER DE CHERAZADE
Para Elena, seu pai era um denso ponto de interrogação. 


"Até onde (ela) se lembrava, o pai dela descia para o porão todas as noites depois do trabalho e só tornava a subir depois de ter escrito três páginas na ronronante (máquina de escrever) elétrica que comprara na faculdade, quando ainda acreditava que algum dia seria um escritor de sucesso."

O que a máquina nos revela interliga todas as narrativas do livro, como uma velha costureira desfiando vidas em um dia ameno, atando as histórias com uma laçada dada entre pontos em uma colcha de retalhos manchada de sangue. 

Quando o último termina, quando não há mais páginas a serem cruzadas, Joe Hill Recolhe, em sacos, os fôlegos que nos roubou...
Impiedosamente...!!!
Como um velho encapuzado que cruza os muros de nossos medos à noite, ele invade nossas mente com imagens vívidas, 
Intensas... 
Sinceras...
,,, e certeiras! 

Por Luvanor N. Alves
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