OS 8 ODIADOS: o antepenúltimo filme de Tarantino

Pode não ser uma lista grande, mas 10 filmes é a meta que Quentin Tarantino estabeleceu para ser o final de sua carreira (o diretor conta os dois filmes de Kill Bill como um só). Nessa contagem regressiva, encontramo-nos com sua oitava obra, Os 8 Odiados (2015), filme de faroeste que aborda um encontro inesperado numa pequena pousada em meio a uma nevasca desoladora.
Mantendo sua fama na construção de diálogos, o filme conta com um pequeno e talentoso elenco (com nomes como Samuel L. Jakson, Kurt Russel e Jennifer Jason Leigh), cenários reduzidos e muitos monólogos e conversações que criam o clima tenso em que o filme se desenvolve. Claro, sempre regado a sangue e violência, marcas de Tarantino. Uma prova da qualidade que o roteiro possui é logo apresentada nas cenas iniciais, uma pequena carruagem serve como palco para os primeiros encontros e apresentações dos personagens. Logo no inicio o espectador sabe qual será o ritmo do filme.
Este é banhado pela trilha sonora criada pelo maestro Ennio Morricone que, no auge de seus 87 anos, desenvolveu uma trilha digna de Oscar. O tom de suspense que a música consegue manter no espectador é fascinante e faz de uma tarefa qualquer um ato de grande expectativa e que prende a quem assiste durante as (quase) três horas de duração do filme.

Aqui vale uma curiosidade:
Tarantino sempre assinou a trilha sonora de seus filmes anteriores, sendo ele o responsável por escolher as músicas que iriam para a edição final. Entretanto, nessa produção, ele resolveu convencer o maestro Morricone a fazer a trilha sonora original, por ser um grande fã do compositor e o mesmo ser um especialista em filmes de faroeste. Ao ler o roteiro, o músico já conseguiu pensar em como seria a trilha do filme e que, segundo as palavras do próprio diretor:

“Era um tema que continuaria, como uma carruagem, e que sugeriria a violência que estava por vir”.

Em meio à preeminência de uma grande nevasca, o caçador de recompensas John Ruth transporta sua prisioneira, Dayse Domergue, em uma carruagem para ser enforcada na cidade mais próxima. O que eles não contavam é que no meio do caminho havia o, também caçador de recompensas, Major Marquis Warren que viaja com dois corpos para pegar sua quantia em dinheiro no mesmo local que John Ruth e mais a frente encontram o novo xerife da cidade, Chris Mannix. O que torna esse encontro memorável é o contexto em que ele é feito. Não só temos dois caçadores de recompensa ávidos pelos seus prêmios, como, também, uma disputa saudosista da Guerra Civil Americana.
A importância de se conhecer o contexto histórico desse filme é válida para se habituar aos diálogos, já que muitos deles giram em volta da chamada Guerra da Secessão (1861-1865). Em poucas palavras, os estados americanos lutaram entre si levantando duas bandeiras, os confederados (que em sua maioria eram representados pelos estados do sul) e os soldados da união (representados pelo o norte). Durante boa parte da guerra o sul, que era escravocrata e latifundiário, ganhava, mas por uma manobra do então presidente do EUA, Abraham Lincoln, decretou-se o fim da escravidão em solo americano, logo, a maioria dos soldados do Sul que sofria com a escravatura passou para o lado da união. Essa decisão do Presidente Lincoln, rendeu-lhe não só admiração, mas muitos inimigos.
Claro que esse conhecimento de história dos Estados Unidos não é obrigatório para se entender o filme. Entretanto, para uma compreensão plena de muitas tiradas e menções que são feitas, é necessária certa bagagem. A exemplo, temos nosso já mencionado encontro na carruagem em que o Major Warren porta uma carta de Lincoln e que havia sido destinada a ele e servira para abrir portas. No entanto, o jovem xerife lutara do lado oposto ao do Major, acusando-o de assassinato, o desconforto causado é tensionado com acusações racistas do xerife.
Com a nevasca impedindo o prosseguimento do caminho, são obrigados a ficar na famosa vendinha da Minnie, uma espécie de hospedaria e mercearia, lá é o local em que o filme chegará ao seu ápice e ao seu desfecho. Dentro das quatro paredes da vendinha encontramos nossos demais odiados: Um mexicano, um ex-general dos confederados, um cowboy escritor e o próprio carrasco que será responsável pelo enforcamento da Dayse Domergue.
Com poucos elementos, Tarantino cria um enredo capaz de prender o expectador, colocá-lo para pensar e ainda causar fortes cenas de violência (o filme tem recomendação para acima de 18 anos). Nesse filme, não temos um herói para servir como modelo ou inspiração, todos são culpados de algo, todos carregam em si seus fantasmas e desejos. Vale lembrar que nesse roteiro ninguém é necessariamente aquilo que aparenta ser e é a revelação de um personagem oculto que tira o fôlego de quem assiste.
Com certeza, esse é um filme que trouxe uma nova visão do diretor. Aqui temos um Quentin mais maduro, focado no trabalho e com a responsabilidade de fazer de seus últimos filmes obras primas para seu legado. Para aqueles que esperam a violência desconcertante de Kill Bill Vol.1 (2003), sinto muito. Para aqueles que esperam os diálogos complexos de Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994), sinto muito. Aqui encontramos um equilíbrio que é focado no enredo do filme, a medida que o roteiro pede as cenas vão mudando, alternando entre o sanguinário e o filosófico.
Em seu antepenúltimo filme, que quase não sai devido o vazamento do roteiro, Quentin Tarantino surpreende, não só pela qualidade, mas pela capacidade de mostrar um lado seu mais equilibrado. Também, nasce aqui uma nova teoria, segundo o próprio diretor, um dos personagens, English Pete Hicox, é o tataravô do tenente Archie Hicox, de Bastardos Inglórios (2009). Isso poderia tornar toda cinematografia de Tarantino um único universo, pois, Os Oito Odiados (2015) é contemporâneo ao filme anterior do diretor, Django Livre (2012). Essa possibilidade ferveu tanto a cabeça dos fãs dele que gerou um curta chamado “Tarantino’s Mind” com atores como Selton Mello e Seu Jorge.
Acredito que o filme seja algo realmente bom, mesmo tendo dividido a crítica. É uma obra a ser vista e pensada. Não se fazem mais filmes assim em Hollywood. E, talvez, nunca mais veremos um filme gravado numa câmera de filme 70 mm, fruto da era digital. Aqui, segundo o diretor, começa o final de sua carreira. Com certeza há muito por vir e muito por lembrar. Sim, para alegria da nação, o filme está na Netflix para aqueles que desejam e têm acesso a plataforma, mas também há no YouTube para quem deseja. E como diria o velho Lincoln:


“A velha Mary Todd está me chamando, então, acho que é hora de me deitar”.

Por Carlos Luan
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2 comentários:

  1. Muito bom, assisti o filme ontem e depois de ler isso, minha visão referente ao filme conseguiu ser bem mais ampliada.

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