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Há,
em São Paulo.
Um
Observador de Zumbis pela janela...
Uma
mulher querendo extrair sangue à mordidas...
Duas
crianças correndo para sobreviver de garras e dentes...
E
um autor que “brinca” com nossos sentidos.
Divido
a Literatura em dois grupos:
Em
uma pilha maior, formada por capas coloridas, convidativas, repletas de
floreios, encontram-se os livros que não provocaram em mim a menor sensação.
Não despertaram o menor ruflar de asas escuras dentro das infindáveis cavernas
que guardamos, cada um de nós, dentro de nossos corações.
Já
no outro monte, este em menor número e volume, estão as obras que
verdadeiramente me tocaram, moveram “coisas” dentro de mim, que nem eu mesmo
sabia que existiam. Independente do gênero ou estilo de escrita, são obras que
conseguiram ativar diversas zonas sensoriais em minha mente, escavando lembranças
e gravando imagens em minha memória que, em choque, eu percebia não serem
minhas, mas sim das personagens das quais eu acabava de conhecer.
Assim,
digo que a “Boa Literatura” é aquela que mata ou faz nascer algo dentro de
você. Aquela que, através de palavras, consegue destruir – ou remontar – suas
impressões sobre si mesmo e o mundo depois de finalizadas ás últimas páginas e
fechado o livro. Um bom livro é aquele que nos obriga a, fechada a obra, ficar
encarando por alguns minutos a mais a contracapa, questionando-nos que
“o mundo
perde muito por não conhecer aquelas palavras”.
Movidos
(ou não) pelo intuito de serem eternos, entre folhas e lembranças dos leitores,
autores surgem aos montes. Vindos dos mais diversos mundos dentro de seus
mundos, estes se sentem preparadas, enfim, para derramar sua consciência em
papel.
Conheci
Tiago Toy por acaso.
Graças
ao meu fascínio pelo misticismo dentro da Literatura, primeiramente conheci o seu Teoria e Prática de Como ser um Zumbi
(2013). Neste, temos a perspectiva de um sobrevivente que, diante de suas
análises à sociedade que já não existe mais, revê as motivações que
impulsionam os que permanecem lutando, mesmo que em vão. Isso, enquanto
observa, do alto do prédio onde se esconde, a marcha e os hábitos dos zumbis
que coexistem lá embaixo.
“Sim,
é exatamente o que parece. Eu estava estudando a nova espécie. Estava aprendendo
a ser um zumbi.” (p.10)
Não
se trata aqui em apenas querer se camuflar ao ponto de poder se tornar invisível
em meio aos que rastejam. Conforme a narrativa corre, há um envolvimento entre
o observador e os seres observados. Um voyeurismo onde, o que espreita por trás
dos binóculos deseja, quase guiado por uma força maior do que ele e todas as
leis que regiam aquele mundo destruído, vê-se entre os que estão ali apenas na
espera de que qualquer foco de carne viva se mova.
Zumbis
são lentos e não parecem capazes de muito, mas tudo muda quando um não zumbi
atrai sua atenção. Eles nunca hesitam, e, tão logo descobrem algo para atacar,
gemem e vão atrás. Os outros, ouvindo os colegas, os acompanham nos gemidos e
na direção. Se transforma em uma maré, contagiando a todos, e logo você tem
dois quarteirões carregados de zumbis em seu encalço. (p. 12)
Por
esse envolvimento que os conecta, o observador se envolve, aprende o mover
destas ondas. Manter-se ali no alto, não lhe parece ser mais suficiente. Não
sabemos se todos este envolvimento reflete um desejo ainda não percebido – e que
deveria ter sido o mais óbvio e primário! – de fuga, conhecer as possibilidade
de escapar da horda que cambaleia por semanas entre as ruas, ou seria algo que,
no final, se tornará um prato cheio à psicologia: o observador que cansou de
somente olhar, querendo agora “entrar na brincadeira”!
Tiago
Toy conduz esse desejo, muitas vezes dotado de uma crueldade individualista do observador. Entre todos os que restam ali naquele quarto, trancados, o
protagonista apresenta o princípio de sobrevivência vilânica das novelas dickeanas:
“é preferível que eu sobreviva ao invés de você!”
O
princípio de resgate de que a espécie sobreviva encontra-se também em seu conto
El Arte de Bibi (2013).
Temos
um personagem derrotado após um diagnóstico médico negativo…
Uma
rua erma e engolida pela noite…
Um
bar onde os rostos se tornavam turvos...
E
o cheiro daquela mulher que, ao canto, o encarava…
Aqui,
Tiago Toy nos arrasta aos olhos daquela mulher, faz-nos sentir os gostos que o
corpo dela possui quando ambos se tocam, envolve-se em uma dança que parece
não ter fim, e de acordes que só se intensificam.
Até
que tudo se aloca, onde o bar deu lugar a uma cama em meio a um quarto escuro.
O
narrador, assim como o próprio protagonista, desconhece o que se esconde nas
sombras. É quando Bibi surge:
E ali estava ela. Bibi. Veio das sombras e, exposta à luz, parecia um
anjo de contornos rosados. Estava nua. A pele era livre de defeitos. Não havia
dobras extras, pintas, cicatrizes. Nada. Era perfeita. Os seios minúsculos
lembravam peras, e Cassius queria prova-las. Não acreditava em como os queria.
Morderia até não sobrar nada. Podia divisar a silhueta de seu sexo entre as
pernas. Engoliu uma quantidade generosa de saliva quando ela se aproximou,
engatinhando sobre o lençol. Não olhava-o diretamente; parecia estar entregue a
um transe. Os lábios entreabertos deixavam os dentes à mostra e um brilho na
ponta da língua. (p. 10-11)
Assim
como em Jogo Perigoso, de Stephen King, onde Jessie está algemada à cama
encarando prováveis figuras entre as sombras, no conto de Toy, a figura aparece,
expondo seu corpo sensual, repleto de força, pronto a revelar ao protagonista que os maiores prazeres podem vir atados a grandes perdas.
Foi
na leitura do conto Não Se Preocupe, Mamãe. Ficaremos Bem (2013) que me vi
angustiado. Nele, duas crianças, Rebecca, de 7 anos, e Antônio, de 5, ficam
sozinhas em casa quando a mãe precisa sair às pressas no meio da noite para
trabalhar. Quando Carmen, a mãe, já está a rua na espera do táxi, as crianças
veem alguém do outro lado da rua no escuro:
Adiante um homem parecia também chamar o táxi, mesmo após Carmen abrir
a porta do carro e conversar com o motorista. O homem, cuja presença ainda não
havia sido notada por Carmen, aproximava-se do táxi a passos lentos, o braço
erguido. Rebecca pensou tratar-se de algum bêbado e, por um segundo, temeu pela
mãe. Felizmente viu-a entrar no veículo e fechar a porta antes que o homem a
alcançasse. (p. 10).
Horas depois, sozinhos em casa, tendo somente o cãozinho Justin como
companhia, alguém esmurra a porta, forçando-a para entrar. Somente então as
crianças veem as figuras rondando lá fora pela janela. Homens e mulheres
disformes, alguns com as vestes banhadas em sangue.
Em fuga para o quarto, as crianças se escondem. Quando finalmente,
tempos depois, sentem-se seguras, descem as escadas e encontram uma mulher
caminhando em direção aos dois dentro de casa.
Uma mulher encarava as crianças através da cabeleira negra,
desgrenhada e oleosa. Arrastava-se para fora de um cômodo como se saísse de um
buraco, uma das mãos cravada na dobradiça e a outra apoiada no assoalho. Rebecca
descobriu do que se tratava a trilha. Era sangue e vinha da mulher. (p. 16)
É quando toda a crueldade – e os dedos habilidosos – para o macabro de
Tiago Toy explode nas páginas à medida que as crianças tentam correr. Corremos
junto com elas! Quase as colocando sobre os nossos braços para ajuda-las a
chegarem mais rápido em um local seguro.
Assim, Toy nos faz morrer ao final deste conto.
Como
um excelente condutor de narrativas, eles nos mata ao marcar suas palavras
finais sem medo do que podemos sentir. Sem temer o que podemos achar de suas
palavras tão morbidamente pontuadas. É AÍ onde se encontra um verdadeiro autor!
Em Sobre a Escrita, Stephen King diz que
“Estou convencido de que o medo é a raiz de toda
má escrita.” (p. 113).
Quando o autor teme chocar os leitores com aquilo que diz, acaba por
transformar seu texto em uma versão falsa daquela verdadeira história que está
em sua mente. Digo que Toy não teme! Parece-me um escritor que não se importa com o que suas personagens
dizem, pois está retratando em palavras o que realmente diriam, caso estas se
virtualizassem diante de seus olhos. Ele tenta ser verdadeiro com elas e com seus leitores!
Autor também da saga Terra Morta (2011), tendo esse sido considerado o primeiro romance brasileiro do
gênero, temos um apocalipse zumbi ocorrendo na cidade de São Paulo.
Conhecer Tiago Toy foi um achado!
Um achado dos bons!
Pois, como um de seus zumbis
sedentos por mais e mais carne, ele conseguiu me matar...
marcando-se entre as
minhas referências de "Boa Literatura" no país.
Por Luvanor N. Alves
Que resenha linda *__*
ResponderExcluirUma das melhores que já recebi. Você mandou MUITO nas palavras, Luvanor. Arrasou de verdade. Fez um escritor feliz. Fico te devendo um beijo, haha
Depois me diz o que achou dos outros (se tiver gostado, claro, rs).
Abração!
PS: Só para constar, ainda apaixonado por essa resenha S2
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