A GAROTA DO TREM, de Paula Hawkins

Um livro tem o poder de nos levar a outro mundo. Ele pode nos fazer chorar, ter raiva, nos apaixonar por alguns personagens e amar outros. Mais que sentimentos, um bom livro também pode nos fazer refletir sobre nossa vida e o papel que realizamos como homens e mulheres em sociedade. A leitura traz diversos benefícios para nossa saúde tanto física quanto mental. Basta fazer uma rápida pesquisa no Google e você verá milhares de resultados falando o quanto é bom ler. Em A Sombra do Vento, do espanhol Carlos Ruiz Zafón, ao visitar o cemitério dos livros esquecidos, Daniel recebe uma linda explicação, sobre como os livros possuem alma. Foi então que percebi que quando não gostamos de um livro, ou não conseguimos avançar numa leitura, é porque ainda não nos conectamos com a alma desse livro.
Quando li A Garota do Trem, da britânica Paula Hawkins, não senti essa conexão de imediato. Talvez por tê-lo lido muito rápido, em dois dias. Foi quando vi os comentários negativos em relação ao livro, alguns dos quais eu mesmo partilhava, que percebi a verdadeira intenção da autora e o quanto eu estava sendo negligente.
Em A Garota do Trem, temos Rachel, divorciada, desempregada, morando de aluguel no quarto de uma amiga e alcoolatra. Rachel gasta seus dias mentindo para sua amiga sobre ainda possuir emprego, então ela pega o trem todas as manhãs rumo a um trabalho que não existe e volta no fim da tarde. No caminho que vai de Ashbury a Londres, o trem sempre para num semáforo e quando Rachel olha pela janela ela vê um jovem casal, os quais ela nomeia Jess e Jason, e imagina suas vidas e o quanto eles são felizes.

Talvez naquela manhã ambos tenham tirado o dia de folga e ela esteja na cama enquanto ele prepara o café, ou talvez eles tenham saído para correr juntos [...] Talvez Jess esteja no andar de cima da casa, no quarto extra, pintando, ou talvez estejam tomando banho juntos, as mãos dela apoiadas nos azulejos, as mãos dele nos quadris dela.

Esses pensamentos a levam de volta a Tom, seu ex-marido, que mora a algumas casas de “Jess e Jason” com sua outra esposa e filha recém-nascida. Isso a faz beber seu primeiro gin-tônica ainda de manhã.
Em Beleza Americana (Sam Mendes- 2000), aprendemos que as aparências podem ser esmagadoramente enganadoras e que provavelmente nunca conheceremos a realidade de uma família da qual não fazemos parte e que podemos nunca saber o que se passa na mente de pessoas que estão próximas a nós, imagine àquelas que não conhecemos…

Rachel se da conta disso numa manhã, quando ela vê Jess em um cena que a choca, tanto, que a faz beber descontroladamente o resto do dia. Na volta para casa, bêbada, Rachel se convence que algo precisa ser feito. E quando o trem para no semáforo em frente a casa de Jess e Jason, ela sai do trem na certeza de que fará algo bom. O problema é que no outro dia, quando Rachel acorda, ela está com o corpo cheio de hematomas, suja de sangue e com um roxo muito feio no olho. Ela não lembra o que aconteceu, embora tenha uma sensação ruim. E mesmo se esforçando muito, ela não consegue lembrar nada. Mas é uma notícia no jornal que a faz sentir realmente medo. Uma mulher, chamada Megan, desapareceu naquele mesmo dia, por volta do mesmo horário em que Rachel decidiu ir a casa de Jess. O problema era que na foto da mulher desaparecida estava a imagem de Jess.

Jess que na verdade se chama Megan, é a personagem mais misteriosa do livro, possui um passado sombrio e um comportamento auto-destrutivo. Atormentada por monstros de uma vida que ela tenta esquecer, procura ajuda, mas talvez seja tarde demais.
Outra personagem, Anna, atual esposa de Tom, detesta Rachel, não por ela ser apenas a ex-mulher de Tom, mas por acha-la louca, e já não suporta que Tom dê tanta atenção as conversas que Rachel tenta ter quando liga para ele, bêbada e de madrugada. E promete, que se ela aparecer assim em seu território novamente, chamará a polícia.

Inspirada por Janela Indiscreta (Rear Window)  de Hitchcock, o livro de Paula Hawkins passou 20 semanas liderando a lista do "The New York Times Fiction Best Sellers" com mais de 3 milhões de cópias vendidas nos EUA apenas nos primeiros meses de lançamento e  superou o record de O Simbolo Perdido, de Dan Brown, de 19 semanas como “best-seller” no Reino Unido.

O livro possui a princípio uma narrativa confusa, alternando entre as personagens Rachel, Megan e Ana. No início, me confundi, achei que Rachel e Megan eram a mesma pessoa, com o avanço da leitura é que entendi claramente as personagens. Isso pode ser um recurso proposital da autora, para de forma sutil, entendermos a mente confusa e acoolizada de Rachel, que é a personagem que mais recebe críticas negativas do tipo: “adorei o livro, mas detestei a Rachel, ela fica bêbada tantas vezes que eu fiquei de ressaca quando terminei de ler” ou “se elas tivessem um emprego, nada disso teria acontecido.”

O que esses leitores talvez não tenham percebido, e que eu mesmo só pensei quando terminei a leitura, é que Rachel pode ter uma gravíssima depressão. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), mais de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem de Depressão (4,4% da população mundial), no Brasil estima-se que cerca de 5,8% da população tenha a doença, quase 11,5 milhões de brasileiros.
Fatores como grandes traumas, abuso de drogas e ansiedade podem causar a depressão.

"Eu sempre bebi - sempre gostei de beber. Mas acabei me tornando uma pessoa triste, e tristeza cansa depois de um tempo, tanto para quem está triste como para todo mundo em volta." 
- Rachel

E Rachel não está sozinha nessa...

"Do vazio eu entendo. Começo a achar que não há nada a se fazer para preenchê-lo. Foi o que percebi com as sessões de terapia: os buracos na sua vida são permanentes. É preciso crescer ao redor deles, como raízes de árvore ao redor do concreto; você se molda a partir das lacunas."  
- Megan


“E agora me vejo fazendo a mesma coisa que ela fazia: terminando a metade da garrafa de vinho tinto que sobrou do jantar de ontem e vasculhando o computador dele. É mais fácil entender o comportamento dela quando se sente como estou me sentindo agora. Não há mais nada mais doloroso e corrosivo que a desconfiança, a suspeita.”
Anna

Hawkins nos mostra que essas mulheres estão mais conectadas do que imaginam e que o verdadeiro vilão pode estar dentro de qualquer um de nós e por muito tempo podemos negá-lo, disfarçá-lo num sorriso, ou tentar esquecer num copo de vokda, mas ele está la. E ele vem a qualquer momento, 
sem hora marcada...
 sem avisar...
Apenas quem tem é capaz de vê-lo ou senti-lo. Mas o mais importante é...


... ele não é invencível.

Por Tony Ribeiro
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