Os livros podem aflorar buracos em nossa mente que
nos permitem ver o que existe em outros mundos. Semelhante aos poços que se
abrem no chão como portais para outros universos em O Sobrinho do Mago (1955),
nas Crônicas contadas sobre Nárnia por C. S. Lewis, a literatura pode surgir a
partir de uma releitura de como determinada história nos marcou e o quanto de
novas abordagens ela nos permite usar.
Em Revival
(2014), Stephen King homenageia aqueles que de fato contribuíram em sua
escrita, abrindo seus olhos e mentes para as possibilidades que o mórbido e o
sobrenatural nos permitem tomar. Neste, conhecemos Jamie, um garoto de 9 anos. Filho
de pais amorosos e irmãos que se ajudam. Jamie vê o futuro de sua família – e da
cidade onde mora – mudarem drasticamente com a chegada de um forasteiro.
Enquanto Jamie Morton brinca na areia com seus
soldadinhos de plástico, um estranho para na sua frente, fazendo uma grande sombra
sobre o garoto, semelhante a cena no conto do King Lembranças de um Verão.
A partir deste ponto, a amizade entre os dois floresce,
à medida que a grande obcessão do reverendo Jacobs se mostra: o poder secreto
existente na eletricidade. Fator esse que, com o passar dos anos, mostrará que
Jacobs anda sobre uma linha tênue entre a sanidade e a loucura. E que, como uma
onda mortal, arrastará de modo violento as vidas de todos aqueles que um dia
ousaram duvidar dele.
Narrado em 1ª
pessoa, sabemos logo de início que Jamie está velho e que muita coisa
aconteceu. Muito do qual ele evitou falar durante tempos, agora precisa ser
contado.
“Agora, na
condição de quase idoso com um pouco de artrite que escreve sobre o passado,
sei que nunca mais virá.” (p. 161)
Em alguns momentos, a narrativa mergulha em
passagens estáticas, dentro da prolixidade comum ao autor. Quando não se
encontram nestes instantes, parecem conter elementos tão verdadeiramente
autobiográficos, quando aborda questões de consumo de drogas e a vida no mundo
da música. A trajetória de vida do pequeno Jamie, conforme este cresce, da-nos a
sensação de que muito do que tem ali seria, ou algo que o próprio King viveu, ou o que ele quis
realmente ter vivido em sua vida.
King homenageia, já na dedicatória, autores que de
fato contribuíram para o crescimento de seu imaginário como Mary Shelley (Frankenstein
- 1818), Bram Stoker (Drácula - 1897), H. P. Lovecraft,
Robert Bloch (Psicose - 1959), Peter Straub e, dando crédito maior, Arthur
Macher, autor de O Grande Deus Pã (1895),
ao que King disse que a leitura deste conto
“o assombrou a vida toda.”
Revival
toma como foco a releitura do Prometeu acorrentado escrito por Mary Shelley,
quando ela apresentou ao mundo a crueldade e mágoa de uma Criatura que foi
renegada por seu criador, o Dr. Victor Frankenstein.
Como não poderia faltar a intertextualização que
King faz entre seus próprios livros, sabemos que Jacob trabalhou por algum
tempo na Carolina do Norte no parque de diversões à beira-mar Joyland. Este é o
ambiente onde acontece a narrativa do livro Joyland, publicado em 2013.
Outra referência diz respeito À Torre Negra, que se
encontra sorrateira na narrativa como uma fera entre a vegetação da floresta
esperando apenas um descuido do leitor para mostrar Sua cara e, enfim, atacar.
Ao final, entendemos que Revival é um livro sobre destinos, como dita o Pistoleiro, em À Torre
Negra, quando aponta o Destino como o Ka, algo do qual não se pode fugir. Revival
fala sobre pequenas coisas e momentos que nos acorreram em um passado tão
remoto e insignificante e que as consideramos entregues à névoa do esquecimento,
mas que, um dia, quando menos esperamos, aquele momento ressurge.
Forte e potente como um grande farol indicando nosso
curso em alto-mar…
Chamando…
Sussurrando nossos nomes para que o sigamos…
Até que tudo se transforma em um choque vibrante de
um grande raio cruzando nossa alma, reavivando lembranças e mágoas.
É quando o monstro que julgamos morto, renasce.
É quando o monstro tenta nos destruir uma vez mais!
Resta-nos apenas lutar.
A Jamie, resta encaram de frente o monstro que ele
mesmo viu nascer, pois, no caso dele, não existe a opção de fuga.
Resta apenas os punhos envelhecidos e a vontade de
viver…
Pois…
“Com fé, tudo é possível (…) Afinal, às vezes a
garrafa acaba chegando à praia e alguém lê a mensagem.” (p. 280)
Por Luvanor N. Alves
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