Há, em
Jerusalem’s Lot,
Um escritor com um passado negado;
Um menino que ama o terror…
Um padre com cruzes inúteis…
E um Vampiro despertando na devida hora…
“Essa era a diferença entre homens
e meninos”
(p. 269)
Com esta frase, Stephen King marca a sua
segunda obra. ‘Salem foi inicialmente publicado no Brasil com o título A Hora do Vampiro, em 1975. Até este
momento, não se conhece quase nada sobre a escrita que viria de King a partir
do sucesso de Carrie, A Estranha (1974).
‘Salem
narra a história de Ben, um escritor que retorna à cidade onde passou a
infância para escrever um novo livro. Um que envolvesse diretamente uma das
suas mais temidas lembranças da infância: A Mansão Marsten (o poder da mansão
sobre a narrativa é tanta que King nos apresenta às primeiras páginas a citação
de Shirley Jakson, extraída do livro A
Casa da Colina)
Erguendo-se como uma grande matriarca que
vigia a cria, A Mansão Marsten se eleva silenciosa sobre a cidade, mas trazendo
entre suas paredes e vigas abandonadas um passado monstruoso que a cidadizinha
de Jerusalem’s Lot finge esquecer.
"Tinha uma mesa no corredor da
frente com uma daquelas cúpulas de neve sobre ela, você sabe, não? Tem uma
casinha dentro, e quando balançamos, cai neve. Coloquei-a no meu bolso, mas não
saí. Queria provar que era corajoso.
E subi até o quarto onde ele se enforcou."
(p. 52)
Mas, então, dois visitantes igualmente
chegam à cidade no mesmo período em que Ben regressa, porém os dois forasteiros
trarão sobre suas mãos o verdadeiro ácido do Mal que tentará corroer as almas
dos pacatos moradores de Lot até que não reste nem mesmo os ossos como prova de
que Lot realmente existiu.
À medida que conhecemos as crenças e os
costumes daquele povo, entendemos que este fala sobre enfrentar demônios –
muitas vezes os próprios. É o primeiro livro de King em que as personagens têm
diante de si o poder de escolha. Elas podem escolher continuar a caminhada ou
não; escolher enfrentar o monstro dentro do armário, entre as vestes escuras e
mais distantes da luz, ou somente dar meia volta e esquecer o assunto. Diferente
do que acontece em Carrie, em que só
resta a todos ali sentar e esperar até que Carrie termine de lhes apresentar o
inferno.
Donald Callahan encarna a figura
simbólica do catolicismo na cidade – fator recorrente, tanto na primeira obra
de King, com a mãe perversamente religiosa de Carrie, Margaret White;
quanto em outras produções posteriores, como o Reverendo Jacob em Revival(2013). Callahan é um enigma inclusive
para si mesmo. Um verdadeiro mistério na narrativa quanto aos seus ideais como
único padre em Jerusalem ‘Lot e pelo terror que a cidadizinha esquecida pelo
mundo enfrentará em breve.
Vemos em ‘Salem novamente o redirecionamento da construção, que põe em xeque
questões religiosas, fundamentando-as em razões plausíveis, contribuindo com
a verossimilhança do universo de King, seja de um núcleo dentro da trama, seja na
construção da personalidade de algum personagem.
Há momentos sutis na narrativa em que
percebemos que esta não vem de um narrador observador comum. Existe um olho que
vigia ‘Salem do alto e nos conta tudo. Alguém de uma onisciência deliciosa,
como nos instantes em que este invade momentos privados da vida de personagens
secundários, dando-lhe destaque; e entregando aos leitores instantes além do
costumeiro foco no protagonista.
Um destes momentos é bem significativo
para mim e me fez vibrar de empolgação no estilo “saquei a referência’. Nele,
sabemos sobre a história de um dos moradores. O velho Albie Crane e o dia em
que este matou sua esposa, escondendo o corpo dentro de um poço.
O trecho sobre o fatídico caso ocorrido
com os Crane é contado em um único parágrafo, mas deixa material suficiente, que
serviram de pano de fundo para um dos melhores contos (acho!) de King: 1922, presente no livro Escuridão Total sem Estrelas (2010).
Logo em sua segunda obra, King inicia o
processo de criação do mito no qual se tornará na literatura com a chegada dos
anos 80. Entre as diversas referências no interior da obra, podemos citar o
conto O Coração Delator, de Edgar
Alan Poe, o “Big Brother” de 1984, de George Orwell, aos musical The Rok Horror Pincture Show (1975)
Mas, e o vampiro?!
Oh, o Vampiro! King reanima um ser
ancestral, dando-lhe força violenta e sem o menor senso de pena sobre a
humanidade. Considero um dos melhores vampiros que já li. Um genuíno! Perfeito
em todo o seu sarcasmo e desprezo.
Neste, King esta no pique. Esta com as
frases perfeitas engatilhadas. Um talento que afloraria dali alguns anos em
outras produções, mas que nos deixa com a sensação de que, além de
aperfeiçoamento de técnica e time
narrativo, sabemos em ‘Salem que o que King tem é puro e simples dom narrativo.
Terminei a narrativa em êxtase de
satisfação ao pensar que (ironicamente!) Stephen King não enrola. Se ele lhe
prometer no início de qualquer narrativa que usará 6 balas, ele USARÁ 6 BALAS!
Mesmo as obras de King terem uma escrita prolixa, leitor algum sai de um dos
mundos do autor sentindo-se usado, feito de trouxa, enganado. Se King promete
sangue: ele lhe dará sangue!Rios dele...
‘Salem
é sobre o quanto você está disposto a continuar ali depois que o monstro
aparece. Um livro onde coragem e covardia trabalham juntas com o altruísmo em
uma trama onde muitos parecem não ter o que perder; o quanto de força todos
terão em continuar encarando o Medo dentro do olhos quando este lhes diz um
“oi”.
Afinal,
“Essa era a diferença entre homens
e meninos”
… e acredite, a opção que você está
pensando pode não ser necessariamente a correta quando esta história acabar.
TRIO EXTRA-KING
Atenção igual para os seguintes trechos:
Susan e o que acontece em seguida... – p. 368
Uma das melhores frases do livro! – p.
442.
Mas, uma das grandes questões que ficaram em mim ao final do livro foi:
O que há no interior do globo de Cristal
me deixou inquieto…
…É Barlow?…
…Ou o palhaço demoníaco It, d’A Coisa?…
Ou ainda o monstruoso Charlie Manx personagem
do livro Nosferatu (2013), escrito pelo próprio filho do King: Joe Hill??????
Leiam…
Contem o que acontece com vocês quando a Hora do Vampiro chega…
Por Luvanor N. Alves
CLIC no título e leia outras resenhas que já fizemos do Rei:
1 - Carrie, A Estranha (1974)
2 - A Torre Negra I - O Pistoleiro (1978)
3 - Misery - Louca Obsessão (1987)
4 - Jogo Perigoso (1992)
5 - Duma Key (2008)
Contos:
Ensaios:
9 - Sobre a Escrita
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